Uma leitura relevante da classe política no Brasil é o livro "Mudanças na Classe Política", do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, que trata da composição da Câmara dos Deputados em 1998 e 2002, duas legislaturas que servem de base para suas observações. Rodrigues aponta maior participação das classes populares no exercício do poder.
Ainda que estejamos vários anos à frente do fim da última legislatura examinada por Rodrigues, as observações recolhidas por mim, na época, e as conclusões apresentadas por ele continuam válidas.
Existe a crença de que o Congresso seria o retrato da sociedade brasileira, com suas virtudes e defeitos. No entanto, as distorções do processo eleitoral terminam por macular a integridade desse retrato. O que chega ao Congresso a cada eleição não é a expressão de nossa sociedade e, sim, a expressão de suas deficiências e da perversidade de um processo eleitoral corrupto, corruptor, desigual e injusto.
Mesmo assim, examinar o Congresso Nacional para entender o que se passa no exercício do poder é fundamental. Vamos começar pelas más notícias. O processo de inclusão de políticos das classes
populares no círculo do poder expõe o indivíduo, naturalmente, a novas realidades.
São muitas as interações que fazem com que, por exemplo, um líder sindical passe a conviver com uma realidade que não era a sua. O mesmo pode valer para um modesto pastor evangélico ou um funcionário público sem posses que se elege à custa da máquina pública.
Apesar da popularização da representação política, apesar do exame da origem e da situação social dos eleitos, verifiquei um processo de refinamento de hábitos em alguns políticos desses estratos. Tal processo é constatado pelo uso de relógios caros ou pela inclusão em seus hábitos de consumo de vinhos de elevadíssimo valor.
E daí? A princípio, consumir vinhos e comidas sofisticadas não torna um político mais fiel ou menos fiel a seus valores. No entanto, isso gera um impacto psicológico no indivíduo que pode afetar seu comportamento político e a escolha de suas prioridades.
Outro aspecto negativo relevante: apesar da popularização das classes políticas apontadas por Leôncio, o processo é lento e não é irreversível. Tanto pela cooptação dos políticos populares pelas elites dominantes quanto pelo fato de que o acesso aos mecanismos de poder continua sendo muito mais fácil para ricos, celebridades, líderes religiosos, manipuladores da máquina pública ou políticos tradicionais. Na publicação "O que Esperar do Novo Congresso – Perfil e Agenda da Legislatura 2007/2011", produzido pelo site Congresso em Foco e pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, estão listados os 122 congressistas ligados a famílias tradicionais da política.
O terceiro ponto negativo que indico no processo de popularização identificado por Leôncio é o fato de muito desse processo ocorrer por meio de sindicatos e instituições religiosas que conseguem eleger seus representantes. Embora simbolizem democratização – já que representam segmentos da sociedade ao largo das elites tradicionais -, muitas relações estabelecidas entre representantes, representados e poder público se dão em torno de intenso clientelismo e defesa corporativa de interesses em detrimento do bem comum.
é uma contradição, já que, no limite, a popularização das classes políticas acaba gerando novas elites que terminam defendendo seus interesses em detrimento da coletividade. Essa situação só muda com a elevação dos níveis de educação, interesse e conscientização política. Até lá, será um processo reformista de baixo impacto e de acomodação de interesses, e não de verdadeira democratização da decisão política.