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Vamos penar até que o fracasso seja grande e force um novo jogo

Por Murillo de Aragão

Publicado no O Tempo

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A matriz econômica que criou as empresas campeãs, a complacência com a inflação, as regras intervencionistas nas concessões de PPPs, as intervenções desastrosas no setor de energia, do açúcar e do álcool, o controle irracional de preços administrados, a inconsistência regulatória e a insegurança jurídica fortaleceram o monstro que é a economia brasileira. Nossa economia está disfuncional. Não apenas pela crise econômica nem somente pelas investigações da operação Lava Jato, mas pelo descompasso entre as respostas do mundo político à situação que se apresenta.
No passado recente, as intenções eram as melhores possíveis: acelerar o crescimento, criar empresas nacionais com robustez internacional, distribuir renda e aliviar os problemas sociais crônicos. Uma espécie de Frankenstein, um bom monstro. O projeto, porém, tinha pés de barro e cabeça de vento. Não deu certo. Não há crescimento sustentável na base da bolsa TJLP sem regras claras e segurança jurídica.
A impossibilidade de domar o bom monstro se revela no fato de que, mesmo tendo boas intenções, ele não é bom. Sua essência, como tal, pressupõe interesses que, aparentemente, bons não são. O bom monstro existiria para a prática de uma espécie de colonização dos interesses do povo. Um sistema gerado pela soberba ideológica justificado a partir de um ideário de boas intenções. Numa sociedade de paspalhos e néscios, as boas intenções seriam suficientes para nos resgatar do fracasso. Mas não é bem assim que o mundo real funciona. Nem deve ser assim por aqui.
Qualquer projeto de poder que assuma a direção dos destinos dos homens com uma vocação salvacionista deve ser repelido como escravagista e colonizador. Não é o caminho certo para se construir uma sociedade livre e responsável, de direitos e deveres. Não faz sentido superlotar uma sociedade de benesses sem lhe dar a noção de direitos e responsabilidades. Não funcionou nos países socialistas, apesar da força da ditadura que tentou implantar tal modelo social e econômico.
No Brasil de hoje, não havia clareza de que as benesses eram condicionadas ao momento fiscal. Sacrificou-se o equilíbrio da nação para manter a distribuição de recursos para os programas sociais. Com isso, o governo enganou a todos, já que, no limite, podemos entrar em default. É a síndrome do bom monstro que tudo faz para agradar. Inclusive, sem querer, matar a todos.
Hoje, o bom monstro nos mata com a inflação recorde, o desemprego e o desinvestimento.
Infelizmente, a recessão e o insucesso não fizeram, ainda, com que o bom monstro fosse para o Polo Norte ou sumisse da humanidade, como no romance de Mary Shelley. Vamos penar algum tempo até que o fracasso seja grande o suficiente para forçar um novo jogo. A opção do momento é tentar conciliar as boas intenções do bom monstro com a dura realidade atual.
As chances de dar errado são imensas. Não é hora de conciliar. Mas, sim, de enfrentar os desafios e reconhecer o fracasso da matriz econômica que robusteceu o monstro que nos escraviza. Não acontecendo o desafio fatal, prosseguiremos em nossa sina de acreditar que o monstro é apenas desastrado. Disse a poetisa portuguesa Florbela Espanca: “de tudo o que nós fazemos de sincero e bem-intencionado, alguma coisa fica”. Digo eu: até mesmo os efeitos perversos de nossas escolhas e de nossos fracassos.