Blog do Noblat – 22/09/2016
Por Murillo de Aragão
Depois que o juiz federal Sérgio Moro aceitou a denúncia contra o ex-presidente Lula, esta semana, a impressão de alguns é que estamos a poucos passos de sua sentença final. Ou seja, daquele momento que parecia que jamais chegaria desde que a Operação Lava-Jato começou, há mais de dois anos: o da prisão do líder mais popular da moderna história do país. O homem que associou sua imagem a uma política social que finalmente resgatou os pobres da miséria, algo que todos imaginavam impossível antes dos 13 anos e meio de era petista.
Como é comum nesses eventos que cruzam expectativas políticas e procedimentos judiciais, convém depurar bem os fatos e atentar para as fases processuais antes de projetar cenários alimentados por fantasias. Vai demorar a ficar claro qual será o futuro de Lula.
Na ação apreciada em Brasília, onde ele é acusado de obstrução à Justiça, dificilmente sua culpa, se provada, implicará privação de liberdade. No caso que corre em Curitiba, será necessário cumprir muitas etapas, entre elas, mostrar provas incontestáveis, proceder à oitiva de inúmeras testemunhas, fazer a apelação e, aí sim, condenar e, eventualmente, prender. Isso se o Supremo confirmar o dispositivo recém-adotado de que a partir da segunda instância o condenado já começa a cumprir a pena na cadeia. Na hipótese de derrota, o Ministério Público pode recorrer.
Quem julga que não há clima para punir Lula com os rigores da lei deve levar em conta que, além de prudente, Moro é um juiz bastante qualificado e não arriscaria a carreira por temer consequências políticas difusas. Até porque o carisma de Lula está derretendo na atual campanha eleitoral. Ou seja, o desencanto dos eleitores, que antecipam nas pesquisas que o PT só tem chances de vitória na disputa para prefeito em Rio Branco, já contaminou os simpatizantes dos segmentos em que a resistência petista montou barricadas: artistas, intelectuais, celebridades. A maioria cansou.
Esse súbito choque de bom senso parece ser fruto de teste com um kit de educação política que pode ser adquirido por qualquer alfabetizado num dos inúmeros canais de informação – família, rádio, TV, jornal, internet, rua, escola, igreja, sindicato. O kit traz as perguntas: 1) Alguém em sã consciência e sem paixão tem dúvida de que houve na Petrobras um saque de proporções cósmicas? Não; 2) Isso ocorreu por geração espontânea, cada um por si, tirando seu naco de patrimônio público? Claro que não; 3) Houve ou não uma organização criminosa dedicada a esse crime espantoso, mesmo para uma sociedade acostumada a conviver com a corrupção? Sim, óbvio que sim.
A repressão a esses crimes produziu mais de 76 prisões, 49 acusações, 1.397 procedimentos, 654 busca e apreensões, 174 conduções coercitivas, 106 condenações entre outras inúmeras estatísticas listadas em detalhes inacreditáveis pelo Ministério Público em sua página da internet sobre a Lava-Jato. A maioria está associada esmagadoramente ao PT, que, no entanto, alega ser vítima de uma conspiração política da mídia golpista associada a partidos de oposição.
Ainda que se possa, num ato de extravagância, acreditar no que o ex-presidente alega em sua defesa, é preciso levar em conta o seguinte: na cultura ocidental ainda é o juiz – e não o réu – que estabelece quem tem culpa.