Murillo de Aragão
A derrota da campanha do desarmamento em 2005 e a elevada popularidade de Lula revelam uma nova realidade eleitoral. Até então, as elites intermediárias exerciam grande influência sobre o eleitorado menos esclarecido. Agora, o eleitorado menos esclarecido parece se guiar por sua própria agenda, diferentemente do que ocorria até 2002.
A partir do apoio de jornalistas, profissionais liberais, acadêmicos e outros estratos da classe média que o apoiavam, Lula conseguiu vencer o preconceito que os pobres tinham de um presidente sem instrução. O produto Lula foi diligentemente vendido para a sociedade por formadores de opinião durante anos. Estrelas da Rede Globo, como Paloma Duarte, e muitas outras, transmitiram ao público menos esclarecido que Lula era a esperança de transformação, mas sem a sanção e o apoio dos formadores de opinião ele não teria chegado lá.
Na eleição de outubro, teremos uma nova realidade cujos contornos apareceram na surpreendente derrota da campanha do desarmamento, em outubro do ano passado. De forma equivocada, acreditei que os artistas da Rede Globo e demais formadores de opinião conseguiriam convencer a população a votar sim. Engano. O povo votou maciçamente contra o desarmamento por desconfiar da capacidade da Polícia de protegê-los. Foi o grito de independência do eleitorado inculto e pobre do país. O resultado foi surpreendente: 63,94% dos votos a favor da venda de armas e apenas 36,06% contra. Não houve um estado sequer onde a proibição de vendas de armas tenha vencido.
O mesmo se passou no episódio do mensalão. Lula deveria ter sua popularidade demolida por conta da perda de apoios junto aos formadores de opinião. Não aconteceu. Até agora, o povo está julgando eleitoralmente Lula pelo seu desempenho econômico e pelo aumento da renda da população mais pobre. A opinião dos esclarecidos está tendo pouco peso.
De acordo com última pesquisa realizada pelo Datafolha (23 e 24 de maio), Lula tem 60% das intenções de voto na região Nordeste, 48% das intenções de voto entre os eleitores que têm apenas o ensino fundamental e 49% dos votos entre aqueles que ganham até dois salários mínimos. Já Geraldo Alckmin (PSDB), vence Lula entre os eleitores que ganham mais de 10 salários mínimos (35% a 27%) e está tecnicamente empatado junto aos eleitores que têm curso superior (30% X 32%).
É uma situação eleitoral nova. Tanto para Lula, que fará a campanha sem o apoio camarada da visão torta de muitos jornalistas quanto para Alckmin, que não consegue emplacar o discurso da ética e da moralidade. Tal situação não é explicada apenas pelo comportamento independente das classes menos favorecidas. Lula teve certa proteção da mídia eletrônica, que não se empenhou em desinstitucionalizá-lo. Ao contrário da mídia impressa, que o atacou fortemente.
Evidentemente, a eleição de um presidente desprovido de apoio nas elites é algo ainda improvável no Brasil. Mesmo perdendo o respaldo de muitos, indignados com os episódios do mensalão, Lula tem o apoio dos sindicatos, de segmentos expressivos do empresariado e não encontra hostilidade de setores organizados. Assim, o presidente preserva apoios importantes. Porém, sem nenhuma dúvida, ele entrará na campanha desfalcada de apoios importantes em setores da esquerda liberal espalhados entre professores, jornalistas, profissionais liberais, funcionários médios do setor privado e até mesmo no funcionalismo público. Para eles, os pecados do mensalão são imperdoáveis.