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Um futuro melhor

Estadão
13/12/2016
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O momento é de ver o futuro através da névoa espessa que envolve nossa conjuntura. Não é fácil. Todos os dias a mídia nos apresenta a dimensão da crise. Às vezes, com exagero. Mesmo assim, com um pouco de cabeça fria podemos observar que estamos em transição. E que os vetores do futuro já estão postos.

Ética e transparência: um dever de todos

O primeiro deles é o caráter transnacional do controle da corrupção. Empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas a um conjunto de regras internacionais que afetam os negócios no Brasil. Tal fato nos leva ao segundo vetor: a emergência do compliance. Qualquer empresa razoavelmente organizada deve seguir mecanismos rígidos de controle de suas ações quanto ao relacionamento comercial e institucional. Esse aspecto traz, ainda, aquilo que o jurista Torquato Jardim (CGU) aponta na República compartilhada: o público e o privado têm iguais responsabilidades para com a cidadania em relação à ética, à transparência e aos bons costumes para o bom funcionamento do País.
Os dois primeiros vetores influenciam decisivamente o terceiro: o nível de transparência dos governos. Já ocorrem, ainda que em meio à grande resistência “corporativista”, movimentos que forçam a redução da opacidade do Estado. Tais mecanismos devem ser mais bem utilizados pela sociedade civil e reforçados pelo Poder Judiciário.
O terceiro vetor embute um subvetor: a crescente intolerância com o corporativismo, que exaure os cofres públicos e, em troca, oferece serviços públicos precários à cidadania. A pressão será cada vez maior. Enfrentar o dilema da qualidade do serviço público ante seu custo é parte de nosso futuro imediato.
O quarto está no naufrágio do modelo fiscalmente irresponsável de gestão pública. Não há como manter governos que não sejam fiscalmente responsáveis. A busca pelo equilíbrio fiscal é a tônica das políticas públicas e a chave para a retomada de um ciclo de crescimento econômico sustentável.

Efeitos da Operação Lava Jato

Dois outros eixos se relacionam com a Operação Lava Jato. Um se refere ao financiamento de campanha. Sem dinheiro empresarial teremos eleições mais realistas. Longe do ideal, mas é melhor do que era. As eleições municipais recentes, ainda que problemáticas por fraudes e violência, foram infinitamente mais justas quanto ao uso de recursos. O fim do financiamento empresarial nas campanhas é um marco decisivo para a construção de uma nova política.
Outro eixo decorre da explosão do modelo capitalista tupiniquim, que se amparava numa roda da fortuna de financiamentos (por dentro e por fora) no mundo político visando a obter contratos com empresas públicas e o governo. O esquema não vai funcionar mais. O modelo que emerge no pós-Lava Jato será mais limpo e transparente, com relações mais adequadas aos interesses da República. Sem regras mais claras não haverá investimentos para a retomada do crescimento econômico. Tradicionais soluções “meia-boca” não funcionarão mais.
Apenas como exercício de imaginação: como será a política sem o financiamento empresarial e com teto de gastos mais realista, conforme determinado pelo Congresso? Como serão as licitações, sem as maracutaias de antes? Serão elementos de um mundo novo.

O futuro debate político e econômico

Para completar o cardápio de vetores, devemos mencionar tanto a sociedade quanto as instituições. Temos uma sociedade hoje mais interessada em política. Mesmo que esse interesse se revele em elevados níveis de abstenção de voto, como nas últimas eleições. O aumento do interesse pode ser medido nas redes sociais, nos movimentos e na dinâmica dos debates. Estão muitos claras a rejeição ao populismo clientelista corrupto e a vontade de debater o que desejamos ser como nação.
Por mais que muitos vejam certo radicalismo fundamentalista no ativismo judicial, o que contamina setores da imprensa, o tempo se encarregará de limar as arestas. Às instituições caberá fazer com que o radicalismo seja contido e o bom senso prevaleça. São tempos de chamamento às responsabilidades. E, creio, teremos lideranças capazes de enfrentar tais desafios.
As linhas de observação sobre o futuro que traçamos aqui já têm causado efeito real e concreto em nossa realidade. Não são só expectativas, são realidades em construção. A primeira prova é a questão do financiamento de campanhas políticas. A segunda é a aprovação, ainda que parcial, de uma série de medidas de cunho fiscal, como a DRU, a Lei de Responsabilidade das Estatais e a PEC do Teto dos gastos.
A terceira constatação está nas medidas de reconstrução de nosso capitalismo: as novas regras do pré-sal, as novas regras para a telefonia, o debate sobre a terceirização da mão de obra, o novo programa de parcerias de investimento e as novas regras para as concessões em vigor. Em breve deverá ser aprovado o fim da restrição do jogo no País, proibição mais do que anacrônica. Apenas no Rio de Janeiro, segundo a Fundação Getúlio Vargas, mais de R$ 1 bilhão são movimentados por ano com jogos ilegais. O governo nada recebe em impostos. Além disso, esse dinheiro alimenta uma cadeia de outros ilícitos mais graves.

Contrariando a civilização do espetáculo

Evidentemente que, em meio ao espesso nevoeiro em que vivemos, avistar um futuro melhor é complexo. Somos sensibilizados excessivamente pelo alarmismo das manchetes na linha do que dizia o empresário Roberto Civita: “Good news are bad news”. De acordo com o escritor Mario Vargas Llosa, vivemos uma civilização do espetáculo. Devemos ter cuidado e fazer uma leitura crítica das informações veiculadas para que possamos tomar decisões adequadas com relação ao nosso futuro e, em especial, nosso trabalho, nossos filhos e familiares.
O Brasil, em sua velocidade peculiar, e graças a seu caráter periférico na globalização, avança devagar. Em tempos de crise, aperta o passo e tende a ganhar terreno. A crise atual está sendo benéfica, sem dúvida, para o futuro. Ainda que as dores de hoje e o brilho feérico da civilização do espetáculo teimem em mostrar que não.