Matéria publicada pelo jornal Correio Braziliense de domingo (21/05):
Expressões do tipo ele me traiu e eu cansei de ser tolhido prometem deixar as páginas dos romances e as novelas das oito para ingressar no horário eleitoral gratuito e nos palanques espalhados por vários pontos do Brasil. É que, na campanha de 2006, há uma grande concentração de criaturas concorrendo contra seus respectivos criadores. No Tocantins, o governador Marcelo Miranda (PMDB) vai disputar contra o padrinho, o exgovernador José Wilson Siqueira Campos (PL). No Amazonas, o governador Eduardo Braga, também do PMDB, terá entre os adversários o mesmo ex-governador Amazonino Mendes, que ajudou a elegê-lo em 2002. Ele nos traiu feio! Traiu o projeto que tínhamos para o estado, acusa o deputado Pauderney Avelino, candidato a senador na chapa de Braga.
Os exemplos não ficam por aí. Na Bahia, Antonio Carlos Magalhães (PFL) verá o seu apadrinhado pefelista Rodolpho Tourinho disputando a vaga de senador contra o neotucano Antonio Imbassahy, que
ingressou na política pelas mãos de ACM e agora busca uma carreira-solo ao lado do líder do PSDB na Câmara, deputado Jutahy Júnior. No Maranhão, a senadora Roseana Sarney (PFL) terá pela primeira vez como principais adversários um ex-aliado do seu pai, o senador José Sarney (PMDB-AP). Chegou ao ponto de, um belo dia, Sarney comentar: Acho que não sei mais escolher amigos, disse, referindose a Edson Vidigal, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele deixou a toga para ingressar no PSB de José Reinaldo Tavares, atual governador e ex-integrante do clã sarneyzista. Nos bastidores da política, quem olha os cenários em estados onde há criador versus traidor culpa a reeleição como o principal fator de desestabilização dos grandes conglomerados políticos. No caso do Amazonas e do Tocantins, o recado é claro: a tentação de disputar mais um mandato levou os atuais governadores a abandonar acordos fechados em 2002 com os chefes politicos. Miranda, por exemplo, deveria apenas guardar o lugar para, agora, ceder a vez ao filho de Siqueira Campos, o senador Eduardo Siqueira Campos. Há quatro anos, Eduardo não pôde concorrer porque seu pai era governador e ele estava inelegível para esse cargo. O clâ foi buscar o jovem presidente da Assembléia para representar o grupo
Reeleição Os observadores da política nacional afirmam que na raiz das traições está a possibilidade de reeleição. O poder é sedutor. E, com a perspectiva de que é possível ficar mais quatro anos, fica difícil resistir a essa tentação, comenta o cientista político Murilo Aragão, da Arko Advice. Ele lembra que a maioria dos acordos sobre governo acabam ruindo diante desse quadro e da dificuldade do novo conviver e manter o estilo do antigo. Um exemplo típico foi o Maranhão. O José Reinaldo não queria governar dando satisfações diárias à família Sarney. Assim, quando afastou aliados do senador do governo, deu-se o rompimento, afirma.
Na história recente da política brasileira, outros dois casos aparecem de forma emblemática. No Rio, o ex-governador do Rio Leonel Brizola, que morreu em 2005, é um exemplo de quem enfrentou diversas traições. Do atual prefeito carioca César Maia, ao ex-governador fluminense Anthony Garotinho, que, agora, no PMDB, está em baixa na política. Como dizem os brizolistas, ao falar de Garotinho, nada melhor do que um dia após o outro.