Estava em Teresópolis quando houve o golpe militar de 31 de março de 1964. Minha mãe, que tinha faro para as tendências predominantes, achou por bem sair do Rio de Janeiro e ir para a serra. Fora uma decisão acertada.
Eu tinha sete anos. Em meio ao bucolismo do bairro Posse, que décadas depois seria destruído por uma enchente, recebi informações fragmentadas do que estava acontecendo folheando O Globo, que chegava no final do dia na cidade.
Minha mãe tinha uma sólida amizade com parentes de JK e, por meio deles, formávamos nossa opinião. Que nem era a favor do golpe nem a favor das propostas defendidas por Brizola.
Ao longo dos anos, enquanto se consolidava a imagem romântica do gentil estadista JK, Jango, como era conhecido João Goulart, era empurrado para a periferia da história como um presidente fraco que merecia ser derrubado pelos militares.
Aqui e ali, algumas iniciativas destinadas a recuperar a imagem de Jango são feitas. Porém, dois óbices claros atrapalham tal fenômeno. Jango tinha adversários poderosos à direita e à esquerda de seu eixo ideológico.
Enfim, Jango, com sua vocação política de conciliação, tão bem praticada por Lula, desagrada a ambos os lados de uma política radicalizada.
Segundo a esquerda, faltou a Jango coragem para empurrar o Congresso para a periferia da política e implantar as reformas de base na marra.
Segundo a direita, Jango flertava perigosamente com ideias revolucionárias que ameaçavam o statu quo.
Jango, no fundo, queria mudar o país sem confronto e no consenso, por meio da prática da conversa, que o levou tão longe na política. Em pouco mais de 18 anos, deixou de ser um simples fazendeiro para se transformar em ministro, vice-presidente duas vezes e presidente da República.
Jorge Ferreira, em seu excelente livro João Goulart – Uma Biografia (Civilização Brasileira), explica como foi difícil trilhar o caminho do meio. Uma espécie de terceira via que, de certa forma, prevaleceu nos governos Sarney, Itamar, FHC e Lula.
Ao invés de vacilar entre duas opções erradas, Jango tentou seguir o caminho da racionalidade e do equilíbrio. Sem conseguir, foi tragado pelos radicalismos de lado a lado e, injustamente, relegado a uma avaliação que o coloca menor na política nacional.
A obra de Jorge Ferreira resgata a imagem de Jango. Não para fazer dele um herói, o que ele nunca foi. Nem para confirmar a desconstrução que muitos fizeram dele, à esquerda e à direita do espectro político nacional.
Mas para mostrar o perfil de um dos políticos mais extraordinários da história do Brasil, cuja capacidade de negociação era impressionante e que, no entanto, afundou por não conseguir fazer com que seu governo estabilizasse a economia naqueles difíceis anos pós-JK.
A vida de Jango no final dos anos 40 e ao longo dos anos 50 também foi notável. Paralelamente às atividades como criador de gado, revelava sincera preocupação com os trabalhadores, aos quais demonstrava apreço e consideração. Deu um belo exemplo quando propôs a reforma agrária: incluiu duas de suas fazendas no pacote.
Nos tempos em que ter avião era algo pouco comum, Jango tinha o seu e o usava para se locomover entre São Borja e Porto Alegre, onde estudava direito.
Era uma personalidade que gostava de viajar e entrar em contato com as diversas realidades. Foi assim quando era ministro do Trabalho, período em que visitou regiões que nunca tinham visto uma autoridade ministerial.
Apesar de fazendeiro e criado em uma cultura provinciana, via o futuro do Brasil com olhos de modernidade, por meio de uma combinação de industrialização e fortalecimento dos benefícios sociais.