A presidente chilena Michelle Bachelet foi muito feliz ao dizer que a América Latina vive uma recessão democrática. Os sinais são abundantes.
Na Argentina, o casal Kirchner interfere no processo político de forma grotesca. No Paraguai, o movimento foi o inverso: Fernando Lugo chega para quebrar um domínio oligárquico vetusto. Porém, existem dois riscos: o de Lugo seguir a senda de outros autoritários da região ou de ser derrubado. Ambos são indesejáveis. Na Bolívia, Evo Morales chegou para corrigir injustiças históricas. Cometeu erros, mas pode seguir o bom caminho se decidir pelo fortalecimento da democracia. Os riscos à democracia no Equador e na Venezuela também são mais do que evidentes. A Colômbia padece dos efeitos da guerra contra o terrorismo das FARC. Cuba é um caso perdido. Honduras aparece no cenário com soluções de força para um problema político. No México, o narcotráfico desafia o estado a ponto de a Oxford Analytica, uma das mais importantes empresas de cenários do mundo, colocar o risco de conflito generalizado no país como elevado.
Saindo do foco puramente latino, vamos dar uma olhada nos BRICs (Brasil, Rússia, índia e China). Tão badalados como destinatários de investimentos, os BRICs têm sérios problemas com a democracia. A bem da verdade, entre os demais membros do grupo, o Brasil é um príncipe. Mesmo com todos os escândalos que infestam a vida política nacional. Na Rússia e na China não existe oposição nem liberdade de imprensa. A índia ainda está passos atrás por conta de seu complexo sistema de castas e pelos conflitos com o Paquistão, além dos movimentos separatistas. Mesmo caminhando para a primeira divisão econômica do mundo, os BRICs jogam na terceira divisão da democracia.
Sem regimes democráticos estáveis, o desenvolvimento econômico será sempre parcial e servirá para reafirmar o domínio de poucos sobre a maioria. O Brasil trafega na contramão dessa tendência. Mas existem riscos. Nosso sistema político está doente e precisa de reformas urgentes antes que nos empurre para soluções autoritárias. A médio prazo, a situação da política no Brasil pode ser insustentável. A deterioração da política no Brasil pode levar o país para uma solução autoritária ou para uma performance econômica inferior ao nosso potencial.
Ao ver o Brasil de hoje, é inacreditável que possamos voltar a cair no buraco autoritário. No entanto,valem algumas observações. A primeira é que nem tudo evolui para melhor. Os Estados Unidos escolheram George W. Bush depois de Bill Clinton, por exemplo. A segunda observação é a de que o autoritarismo não pode ser estereotipado. Um regime autoritário não significa ter um general no poder. Pode ter o apoio dos militares ou não. Depende das circunstâncias. A terceira observação é a de que o Brasil é terreno fértil para o autoritarismo, presente nos escândalos políticos e no tratamento que o cidadão recebe de servidores do Estado. Nosso viés autoritário é disfarçado por uma superficial cordialidade e por muitas palavras.
O alerta presente nas dependências aeroportuárias de que o eventual desrespeito ao servidor público pode resultar em cadeia é emblemático. O corporativismo e o clientelismo são formas de autoritarismo que estão incrustadas na vida nacional. O autoritarismo escorado em algum sucesso econômico e forte intervencionismo estatal transforma uma sociedade mal educada e com baixa conscientização política em uma sociedade de bovinos. Portanto, todo o cuidado é pouco. Vale lembrar velho ditado irlandês: o preço da liberdade é a eterna vigilância.