Muitos já ouviram falar do termo “presidencialismo de coalizão”, cunhado pelo brilhante cientista político Sergio Abranches. Poucos talvez saibam como o sistema funciona, na prática.
A ideia do presidencialismo de coalizão se assenta em dois pilares principais: o papel do presidente e a existência de coalizões partidárias que sustentam o governo.
Ao colocar a fórmula em movimento, os partidos da coalizão participam do governo quase que de forma semiparlamentarista e, ao mesmo tempo, oferecendo a maioria de que dispõem no Congresso para apoiar a agenda do presidente.
O presidencialismo de coalizão é um modelo que vem sendo aplicado desde a redemocratização. Fernando Collor tentou governar de modo diferente. Rendeu-se, ainda que tarde, à fórmula, mas não escapou do impeachment.
Objetivamente, para que serve esse sistema? Na prática, o presidencialismo de coalizão serve para: dar governabilidade ao presidente; assegurar a aprovação das principais propostas do Planalto no Congresso; e evitar que a oposição paralise politicamente o governo com pedidos de investigação.
Se o modelo de presidencialismo de coalizão não conseguir assegurar tais condições, não irá funcionar. E, pior, será gerador de crises que, no mínimo, impactarão a governabilidade e, no máximo, inviabilizarão o governo.
Recentemente, ao comentar a crise de relacionamento de Dilma Rousseff com o Congresso, Collor afirmou que o impeachment decorreu da incapacidade de seu governo se relacionar de forma estável com os partidos e com o Congresso.
Sergio Abranches, ao comentar sua fala, destacou que cabe ao presidente “um papel crítico e central, no equilíbrio, na gestão e na estabilização da coalizão”. Ou seja, em primeira e última instâncias, cabe ao presidente o controle do modelo. Se ele não funciona bem, cabe ao presidente consertá-lo, sob pena de sofrer com o seu mau funcionamento.
O Brasil de hoje vive uma crise em seu presidencialismo de coalizão. A crise, mais do que anunciada desde o final da campanha de Dilma, agravou-se pela incompatibilidade entre a gestão política do governo e as expectativas dos aliados.
Na gestão Lula, tanto por sua imensa popularidade quanto pela certeza de que poderia prolongar o “lulismo” com a eleição de Dilma, as diferenças e incompatibilidades foram abafadas em nome do continuísmo.
Hoje, a situação é diferente. As fissuras verificadas na campanha de 2010 prosseguem sendo ampliadas. A divisão ministerial, a distribuição de cargos de segundo e terceiro escalões e os cortes de despesa aprofundaram a cizânia. O diálogo político, que seria o paliativo para as diferenças, não é aplicado eficientemente.
O núcleo do governo parece distante e insensível aos reclamos da política. Ainda que não caiba fazer juízo de valor acerca do que se pede, o fato é que existe um jogo político sendo jogado que, para funcionar bem, deve manter os sócios do governo satisfeitos.
Os focos de atrito estão em todos os partidos da base. Caso o conflito não seja reduzido a limites toleráveis, o cenário é de derrotas no Congresso; de apoios relativizados; de dissidências crescentes; e, ainda, de real possibilidade de racha na base política do “lulismo”.
O que acontece em São Paulo, em torno dos movimentos de José Serra, é uma amostra de como poderá ser em 2014. A crise no presidencialismo de coalizão sinaliza que não vale apoiar a fórmula governista no primeiro turno, já que os ganhos políticos não são assegurados.
Aparentemente, o movimento de tensão e conflito com a base pode ser planejado e visaria “emagrecer” a coalizão, expulsando os parceiros indesejáveis, ou decorreria apenas da incapacidade política de gestão? Seja qual for a causa, os efeitos nunca serão agradáveis.