Para muitos, a dinâmica do nosso mercado interno ainda é incompreensível. Não é fácil entender, por exemplo, por que podemos crescer de forma sustentável por vários anos sem que o potencial do nosso mercado interno esteja estabilizado. As razões dessa situação residem em alguns fatores históricos. O primeiro é o fato de a maioria da população ser educada para o consumo de massa mesmo sem ter recursos para tal. Cevado pelas informações de uma televisão que desde os anos 70 cobre quase todo o país, o brasileiro sabia o que era uma fralda descartável antes de ter dinheiro para comprá-la. Conta a lenda que, nos tempos de construção dos primeiros condomínios da Barra da Tijuca, os operários tomavam banho no final do expediente e saíam da obra para, em seguida, entrar no Carrefour e – discretamente – usar o desodorante Avanço, então o mais popular. Sabiam do produto, sabiam como usá-lo, mas não tinham dinheiro para adquiri-lo. Depois de ter um consumidor potencialmente bem-informado, o segundo passo foi estabilizar a moeda. Buscada desde meados dos anos 80, a estabilização ocorreu apenas com o Plano Real. O dinheiro passou a ser identificado e os preços começaram a fazer algum sentido. Sem a inflação, que é o pior imposto do pobre, o dinheiro deixou de derreter no bolso do assalariado que não tinha conta em banco nem depósitos remunerados. Com o consumidor bem-informado e a estabilização da moeda, o passo seguinte foi dar poder de compra. Isso foi possível no início do Plano Real e, mais intensamente, na era Lula, quando o ex-presidente conseguiu – como se diz – colocar a prestação dentro do bolso do trabalhador. Dois outros fatores explicam, ainda, o potencial de nosso mercado: a expansão do acesso ao crédito (em 2002, representava pouco mais de 24% do PIB; hoje estamos em 46,4%) e o histórico de se comprar em prestações mensais, herança dos tempos da inflação. Assim, nos próximos anos, ainda veremos uma consistente expansão do mercado interno – provavelmente acima do desempenho do PIB – por conta do ganho de renda, do fortalecimento da classe C, hoje o motor do consumo, e das circunstâncias que serão favoráveis à classe E. Sem falar nos mais de R$ 1 trilhão de investimentos previstos para indústria e infraestrutura. Pesquisa do Instituto Kantar Worldpanel indica que as famílias brasileiras deverão consumir, até 2020, mais de R$ 5 trilhões em produtos e serviços. Já em 2015, o Brasil deverá ter o quinto maior PIB do mundo e 70% da população adulta, o que fará do consumo o grande motor do país. Sendo assim, todos os setores que lidam com bens de consumo devem ter expectativas muito positivas com relação ao futuro imediato do Brasil. Evidentemente, qualquer prognóstico é eivado de erros e imprecisões. Até mesmo pelo fato de o Brasil possuir fragilidades importantes que podem pesar contra. No entanto, vendo o desempenho do governo, as condições macroeconômicas e a vocação do povo brasileiro para o consumo e, ainda, a carência de setores expressivos da população em relação a diversos produtos, o que se apresenta pela frente é bastante promissor. Resta saber se estamos preparados para anos de crescimento baseado no consumo. Tudo indica que sim, apesar de riscos claros. Um deles é a questão da infraestrutura, que joga contra o nosso desenvolvimento. Outro é a ocorrência de uma bolha de crédito que, aparentemente, estaria descartada por conta das exigências impostas pelo Banco Central. Outro ponto crítico são os efeitos colaterais do consumo no meio ambiente. Enfim, o Brasil deve estar atento tanto às imensas potencialidades que se apresentam por conta do ciclo de crescimento iniciado em 2010 quanto aos efeitos colaterais desse crescimento.