A crise de relacionamento entre o Legislativo e o governo está longe de acabar. Porém, ela ainda está longe de ser, também, uma crise política ou uma crise institucional. Basicamente, uma crise institucional termina inviabilizando o relacionamento entre os poderes e levando a retaliações de lado a lado.
Apesar das derrotas do governo no Congresso Nacional, de um lado, e, de outro, do corte de despesas, da não execução das verbas orçamentárias e do tratamento desigual para os ministérios, controlados por diferentes partidos, a crise ainda é nanica. De acordo com o ex-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), os senadores reclamam muito mais da falta de consideração, de atenção, que de alguma coisa concreta, como uma nomeação ou liberação de emenda.
E esse é o lado bom da história – em sendo nanica, seus vetores ainda são controláveis. Basta o Congresso baixar a guarda e o Executivo se organizar para atender às demandas. Assim, mais dia menos dia a pax será firmada nessas bases.
O lado ruim da história é que existe um problema cultural grave na questão. Ambos os lados – Planalto e Congresso – não estão agindo com responsabilidade ao tensionar o relacionamento dessa maneira. Ao largo do problema pessoal, consideram-se institucionalmente desrespeitados.
Outro vetor preocupante é que as culpas pela crise não estão sendo verdadeiramente assimiladas. E, em sendo várias, demandam uma atitude multidisciplinar cuja sofisticação exige calma e reflexividade. E o momento ainda não é propício.
Por exemplo: a Folha de S.Paulo informa que os cortes orçamentários dos ministérios do PT foram menores do que nos outros ministérios. E os partidos aliados reclamam que os ministérios não petistas são fiscalizados por petistas e carecem de autonomia.
Existem restos a pagar de emendas parlamentares desde 2008! Em fevereiro, o governo anunciou o bloqueio de R$ 55 bilhões no Orçamento de 2012. R$ 35 bilhões correspondem às despesas discricionárias, aquelas que não são obrigatórias. O restante é uma reestimativa das despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e complemento do FGTS, entre outros. Estima-se que os cortes incluam o total das emendas parlamentares, que somam R$ 20,3 bilhões, mas só a execução orçamentária vai confirmar isso. Em ano de eleição municipal, o tamanho do corte deixou o Congresso muito irritado.
Levantamento do jornalista Gustavo Patu mostra que, com relação aos cortes de R$ 55 bilhões no Orçamento, as dez pastas entregues a PMDB, PSB, PR, PP, PDT, PC do B e PRB perderam quase um quarto das verbas de livre aplicação – exatos 23,9%. Já nas 14 pastas ocupadas pelo PT ou por indicações diretas de Dilma, o impacto dos cortes ficou em apenas um décimo dos recursos destinados a compras e investimentos.
O Orçamento da União é uma peça de ficção, já que o que é debatido no Congresso não tem relevância alguma no Executivo. Ou seja, é fácil acreditar que a crise é movida por interesses menores. Fica mais fácil entender e apontar os vilões. O “culpado” sempre é o mordomo e, nesse caso, ele está no Congresso! Mas, lamentavelmente, a culpa não é apenas do “mordomo”. Não há inocentes nesta crise.
Movendo-se por interesses peculiares e não pelo interesse geral, a crise fica maior do que deveria e pode durar mais tempo do que o necessário. Pelo fato de ambos os lados estarem machucados e não se considerarem ainda satisfeitos com suas retaliações.
A viagem da presidente Dilma Rousseff à índia para a reunião do BRICS e a chegada da Semana Santa devem ajudar a acalmar os ânimos, já que sem agenda não há conflito. Mas a insatisfação remanesce.