Murillo de Aragão
Faz tempo que muitos integrantes do Congresso Nacional trabalham de forma incansável e exitosa para destruir a instituição. O desmonte se dá por meio da submissão do interesse público aos interesses pessoais, carimbados por vários adjetivos: corporativismo, clientelismo, patrimonialismo. O corporativismo surge da predominância da cobiça dos funcionários do Legislativo que, em conluio com os parlamentares, abocanham privilégios, super-salários, aumentos e mordomias variadas. A crônica jornalística traz casos escabrosos. O clientelismo está na barganha entre parlamentares e a estrutura de poder do Legislativo em torno de mordomias diversas e na manjadíssima barganha entre Legislativo e Executivo. O patrimonialismo ocorre no trato da coisa pública como se fosse propriedade privada. Alusão recente ao fenômeno foi feita por Fernando Gabeira, ao reconhecer o erro em emitir bilhete aéreo internacional para a sua filha usando parte da cota de passagens dos deputados federais.
Os exemplos de patrimonialismo são exuberantes: aproveitamento de funcionários públicos em função de interesse particular; uso do celular por familiares com conta paga pelo Congresso, distribuição de passagens para familiares e artistas etc. No Congresso Nacional de hoje – e de ontem – existe uma coligação tácita desses interesses, cujo ponto comum, apesar das motivações distintas, é o fato de que é a viúva que paga a conta. No caso, a viúva somos nós. Como não estamos nem aí para a política, assaltantes dos cofres públicos tomam conta do processo. Usam o dinheiro à vontade e acham normal. O Congresso de hoje não é muito pior do que era há alguns anos. Pior, nada indica que irá melhorar no futuro. Evidentemente, existem políticos honestos e bem intencionados ali. Mas não basta.
O clientelismo tomou conta do processo político e nenhuma outra agenda interessa. Daí porque temas como reformas política e tributária andarem em câmara lenta. Os episódios ocorridos em cascata desde que Sarney e Temer chegaram ao comando do Congresso não são exclusivos de suas recém iniciadas administrações. Vêm de longa data e estavam solidamente instalados no Congresso. As disputas políticas e um surto de jornalismo investigativo de nossa pachorrenta imprensa, com a contribuição do MP, trouxeram os fatos à tona. Sinto dizer, mas o Congresso não é perseguido. Quem nos persegue com seus desvios é o Legislativo. O ruim de tudo é que o número de políticos com preocupações mais elevadas está diminuindo assustadoramente. Alguns resistem como Quixotes atrás de moinhos de vento.
Há dois tipos de parlamentar, no entanto, cujo comportamento assusta. O primeiro é aquele que sequer se dá conta do tamanho do descalabro. Aproveitar-se da boca livre que a instituição patrocina é justamente seu projeto de mandato. Sua sinceridade ao advogar “almoço grátis” chega ao ponto de defendê-lo da tribuna. O outro é o que se abraça ao privilégio e vê na campanha para eliminá-lo uma conspiração contra seu trabalho de representante do povo. Ambos são perigosos para a democracia.
Considerando que existem os justos, mas os pecadores são maioria, o que fazer? Seguindo a lógica cristã, perdoar e exigir uma nova conduta. Por exemplo, José Sarney – que tanto fez para o seu grupo político – poderia, no final de sua carreira política, realizar uma faxina ética e burocrática no Senado. Poderia ser a sua redenção. Terá coragem? Espero que sim. Afinal, se não temos justos em número suficiente, teremos que contar com os pecadores para evitar que o Congresso naufrague.