A decisão de entregar toda a coordenação política no Congresso e no Governo a políticos conservadores, e de partidos de posições políticas sociais-liberais, não é uma atitude neutra, voltada apenas para a maior eficiência operacional do Governo, nem desprovida de implicações políticas. Pelo contrário, ela tem duplo significado: i) o de reafirmar a coalizão de governo, e ii) o de dar maior flexibilidade aos princípios anteriormente sustentados pelo governo.
Reafirmar o compromisso com a coalizão é uma forma simbólica de valorizar a palavra e reiterar o desejo do presidente de compartilhar a gestão do governo com seus aliados. É elogiável do ponto de vista do método, de fazer e cumprir acordos, mas do ponto de vista do mérito é inquietante e preocupante, porque os interlocutores têm projetos e visões diferentes das apresentadas pelo presidente na eleição.
O presidente Lula, especialmente no segundo turno da eleição, apresentou um discurso que sinalizava pela retomada de uma agenda mais em sintonia com os movimentos sociais, como a crítica às privatizações e à reforma da previdência social, além da ênfase no crescimento econômico e na geração de emprego e distribuição de renda. A operacionalização desses temas deveria ser entregue a pessoas e partidos com pensamento semelhante ao do presidente da República, sob pena de mudança e desvirtuamento da vontade manifestada nas urnas.
Será que com o líder do Governo na Câmara, deputado José Múcio Monteiro (PTB/PE), com o líder do Governo no Senado, senador Romero Jucá (PMDB/RR), com a líder do Governo no Congresso, senadora Roseana Sarney (PMDB/MA) e com o novo ministro das Relações Institucionais, empresário Walfrido dos Mares Guia (PTB/MG) respondendo pela interlocução do governo com o Congresso, com os partidos e com os estes federativos os compromissos de campanha se sustentam?
Supondo que em relação às privatizações, porque as principais estatais estão sob controle de ministérios comandados pelo PT, e a reforma da previdência, porque o PDT irá dirigir o ministério, não se concretizem, quem garante que outras reformas mais nefastas ainda não se consumem, como a trabalhista?
É natural que num governo de coalizão os partidos que o integram disputem o conteúdo das políticas públicas. Mas o afastamento da coordenação política e o esvaziamento a que foram submetidos os partidos com vinculação programática com os postulados da eleição é preocupante. O PT reduziu sua participação e perdeu complemente a interlocução política institucional no Governo. O PDT terá participação limitada pelos problemas naturais da sua pasta, a Previdência Social. O PSB e o PCdoB perderam um ministério cada.
Portanto, o temor de retrocesso em temas centrais, como os direitos trabalhistas, não é de todo infundado. Alguns fatores combinados indicam uma tendência nessa direção. O primeiro foi a matéria da revista exame de fevereiro, edição 887, com a chamada O Congresso quer as reformas, que traz o resultado de uma pesquisa feita com 533 dos 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores) sobre a necessidade das reformas trabalhista, que revela a opinião favorável de 79%dos congressistas. Veja texto sobre o tema no portal do DIAP na Internet: www.diap.org.br
O segundo fator está relacionado a entrega da liderança do Governo na Câmara a um parlamentar com compromisso histórico com a modernização da CLT, que inclusive foi relator da proposta de flexibilização do Governo FHC.
O terceiro tem sido a resistência de partidos da base para efetivação da leitura da Mensagem presidencial nº 389, enviada em agosto de 2003, para a retirada do projeto de lei nº 4.302/1998 , que cuida da prestação de serviços e da terceirização, extremamente nocivo aos interesses dos trabalhadores.
O quarto foi a pressão havida para flexibilizar direitos trabalhista na Lei Geral de Pequenos e Microempresas e a recente aprovação por de mais de 300 votos da emenda nº 3 da Super Receita, que aniquilaria a fiscalização do trabalho. A emenda foi vetada pelo presidente da República, mas os empresários, em geral, e os donos dos veículos de comunicação, em particular, estão articulando a derrubado do veto, inclusive com apoio de líderes do governo.
Nesse cenário, marcado, de um lado pela completa saída do PT, PSB e PCdoB da coordenação política, e, de outro, pelo fortalecimento das forças liberais, a conseqüência natural será o aumento da importância e do desafio político do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT/SP), que além das funções de chefe de poder, também terá a tarefa de reaglutinar as forças de esquerda para a defesa da agenda política, econômica e social dos trabalhadores nas reuniões, espaços e instâncias decisórias do Governo e do Parlamento.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar