A produção literária sobre política no Brasil está longe de ser a ideal. Existem limitações claras por conta do interesse dos leitores e do tamanho do mercado, que ainda está muito distante da potencialidade de nossa população.
Caso tivéssemos de fazer uma pequena bibliografia sobre a política contemporânea no Brasil, um dos livros essenciais seria Getúlio (1882-1930) – Dos anos de formação à conquista do poder, de Lira Neto, publicado pela Companhia das Letras.
Para fazer uma comparação simples e clara, Getúlio é tão importante quanto Chatô – O rei do Brasil, de Fernando Morais, para entendermos os meandros da política nacional. João Goulart – Uma biografia, de Jorge Ferreira, é outra obra indispensável para sabermos como foi construído, com o passar dos anos, o software em que roda a nossa política, que, tal qual a jabuticaba, é tipicamente brasileira.
Em Getúlio está presente tudo de bom e de mau da política nacional de hoje: o compadrio, o nepotismo, o grupismo, o corporativismo, o clientelismo, entre outras mazelas.
Mas também temos um perfil pós-ideológico que é muito moderno e que ficou conhecido no mundo anglo-saxão como “terceira via”. Getúlio fez a terceira via antes que ela existisse como conceito sociológico e político.
A obra de Lira Neto, em que pese tratar apenas do período inicial do fenômeno Vargas, já traz a gênese do que seria predominante na política nacional e a confirmação de outras tantas características.
Getúlio, ao ser ministro da Fazenda do governo que derrubou, mostra que o Brasil tem uma incrível capacidade de mudar sem mudar muito para deixar ficar como está.
Na abertura magistral e cinematográfica do livro, Lira Neto descreve a cena da chegada ao Rio de Janeiro dos aviões Savoia Marchetti, liderados por Italo Balbo, jovem ministro da Aeronáutica de Mussolini.
Caso um dia façam o filme do livro, a cena inaugural terá de ser a recriação da chegada dos Marchetti. Nada que um craque em efeitos especiais não possa fazer.
Voltando ao ponto da visita de Balbo, além de negócios o italiano vinha tentar seduzir Vargas para o fascismo. Lira Neto conta que, apesar de estender tapetes vermelhos para Balbo, Vargas nunca revelou qual seria sua preferência ideológica.
A obra de Getúlio Vargas ainda é, no Brasil do século 21, uma obra continuada. Com ele iniciamos as políticas econômicas e sociais que prevalecem até os dias atuais. No campo econômico, o capitalismo jabuticaba, onde se encontram espaços para o Estado empreendedor, o Estado financiador, o capital estrangeiro e o capital nacional. Mais recentemente, incluindo os trabalhadores, com os fundos de pensão.
No campo social, o “mudar para não mudar muito” ficou claro com a instituição dos direitos do trabalho. Caso vivo estivesse, Vargas apoiaria o Bolsa Família e o sistema de cotas para minorias.
A obra de Lira Neto lança luzes sobre um poderoso enigma. Apesar de haver referências bibliográficas abundantes sobre Vargas, o mistério continua a existir e está sendo desvendado aos poucos por Lira Neto.
O excesso de informações pasteurizadas sobre Vargas no Estado Novo escondia mais do que informava. A desconstrução feita pelos adversários políticos e pelas elites, também. O seu suicídio terminou lacrando a sete chaves o enigma Vargas.
Faltam ainda dois volumes da trilogia. Imaginem o que vem por aí…