02/02/2017
Blog do Noblat
Debate-se, em Brasília, se a divulgação dos detalhes da delação da Odebrecht de forma imediata seria melhor para o governo, já que vazamentos periódicos e seletivos trariam muita inquietação.
A preocupação é válida por que o vazamento seletivo de informações tem ocorrido algumas vezes ao longo dos três anos da Operação Lava Jato e, como ocorre de forma periódica, instala-se expectativa sobre quando novas informações vão vazar.
Na relação mídia-sociedade existem, de modo geral, dois tipos de vazamento: o acidental e o intencional. O primeiro ocorre por acaso quando dados vazam por acidente e não intencionalmente.
Papéis encontrados ao acaso ou inconfidências ditas em restaurantes ou em lugares públicos podem revelar informações relevantes. Na Inglaterra, durante a segunda guerra mundial, posteres recomendavam cautela nas conversas em público.
Já o vazamento intencional é praticado por quem tem acesso a informações relevantes e não deveria vazá-las por dever de ofício.
Por trás de todo vazamento intencional existe uma razão. Algumas são nobres; outras, táticas; outras são motivadas por interesses menores. Existem ainda vazamentos de informações que visam destruir a credibilidade de personalidades públicas.
Existe ainda, por parte de quem vaza as informações, o desejo de ser protagonista, ainda que anônimo, de grandes eventos da política. Sentem prazer de ver, no dia seguinte, as notícias produzidas a partir de suas informações.
O vazamento pode levar o carimbo de jornalismo investigativo, mas é preciso levar em consideração que este, no Brasil, é anêmico. As informações privilegiadas chegam às redações praticamente de bandeja, como parte de um processo já amplamente conhecido e recorrente.
Poucos escândalos brasileiros na redemocratização do país foram provocados por investigações oriundas da imprensa sem o apoio de algum vazamento deliberado. Por justiça, deve-se mencionar o papel essencial investigativo das revistas Veja e Isto É no impeachment de Collor.
O interessante, nos vazamentos, é que eles expõem o que deveria ser preservado, desvendam o anormal e injetam pressão sobre investigadores e investigados. A pressão sobre os envolvidos e sobre a opinião pública é um objetivo do vazamento: provocar atenção sobre determinado tema e causar uma intervenção em seu desdobramento. Um dos vetores do processo é a desconfiança de que, sem a pressão da opinião midiática, nada aconteceria.
Outro aspecto fascinante é que as autoridades prometem que vão encontrar os responsáveis pelas irregularidades, só que jamais conseguem. Teriam, de fato, essa intenção? Jamais um vazador foi descoberto no Brasil. Parece que temos, de um lado, desinteresse, de outro, cumplicidade.
As autoridades fingem que investigam e a imprensa não pode – nem deve – nomear suas fontes. Trata-se, simplesmente, de um dilema insolúvel. Por isso, os vazamentos devem ser vistos com cautela. Sempre servem a algum propósito. Podem esconder o que não interessa ser vazado; podem também ser editados para atingir certos objetivos.
Notamos, em alguns vazamentos recentes, que a documentação não vinha completa. Ou mesmo não era divulgada na íntegra. Podem, ainda, ser completamente falsos, como o conhecido Dossiê Cayman na era FHC.
Os vazamentos intencionais têm uma vertente pitoresca. Na Segunda Guerra, Ian Fleming, agente secreto inglês criador do personagem James Bond, propôs desovar, na costa espanhola, um cadáver cheio de informações falsas para enganar os nazistas. O golpe deu certo e está contado em livro.
Como disse o ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill, na guerra a verdade deve ser escoltada por muitas mentiras. A máxima vale para a política e, em especial, para os dias de hoje de hiper-realismo das redes sociais, de pós-verdade nas comunicações e de ativismo judicial. Daí todo o cuidado com o fascínio dos vazamentos.