Para Rubens Ricupero, a corrupção, que está intimamente associada ao presidencialismo de coalizão, destruirá o regime político. E este seria um processo inexorável, em seu entender. “Ao contrário do que sustentam alguns politicólogos, a corrupção inseparável do presidencialismo de coalizão praticado no Brasil acabará por gerar crises crescentes de governabilidade até ocasionar o declínio da economia e a destruição do regime político”, escreveu o ex-embaixador na Folha de São Paulo no último dia 14 (Corrupção e decadência econômica).
Segundo Ricupero, aqueles que enxergam a governabilidade como ligada à existência de uma maioria de parlamentares no Congresso descuidariam de um aspecto básico: a confiança no regime democrático.
Ao contrário de Ricupero, não vejo a corrupção como um fator de destruição do sistema político brasileiro. Nem tampouco seus aspectos sucedâneos, como o fisiologismo, o filhotismo, o grupismo, o clientelismo, o corporativismo, entre outras mazelas de nosso país.
O DNA do sistema político nacional foi constituído para operar em bases de intenso clientelismo e dependência da sociedade civil dos entes estatais. Foi assim desde o início, com a Coroa portuguesa.
Com a expansão do Estado, a situação se agravou, uma vez que os recursos para a promoção de práticas clientelísticas se tornaram abundantes. Tal rotina tem sido comprovada pelo menos desde o Império.
Obviamente, isso não significa que o quadro não possa mudar. Nem que seja inexorável a falência do sistema político nacional a partir do vírus da corrupção, conforme vaticina Ricupero.
No entanto, o sucesso ou fracasso do sistema político brasileiro – nos dias de hoje – ainda estão vinculados ao sucesso ou fracasso do governo em assegurar alguns aspectos fundamentais para os setores mais importantes da sociedade.
Por exemplo, o que é relevante na cadeia de preocupações de uma população pobre e desigual e pouco educada: comida ou democracia? Justiça social ou controle da inflação? Distribuição de renda ou clientelismo?
No estágio atual de nossa sociedade, os valores que presidem as escolhas não são aqueles conectados com as melhores expressões da democracia. Como explicar?
As razões estão, entre outros fatores, na supremacia do Estado frente aos cidadãos; na baixa qualidade do fluxo de informação no país; na baixa qualidade de nossa educação.
Assim, caso um governo – seja ele qual for – tenha condições de incentivar crescimento econômico com controle da inflação e, ainda, alavancar a redução da desigualdade, terá amplas condições de se validar por meio do processo eleitoral.
Mesmo que, para tanto, se utilize de instrumentos e práticas pouco éticas e nada democráticas.
Não é agradável acreditar que tal processo esteja em curso no Brasil e que o horizonte de mudança, ao contrário do que pensa Ricupero, está no radar.
Os próximos anos serão de êxitos econômicos e de distribuição de benefícios relacionados à redução de desigualdade. A expansão do mercado interno fará a felicidade de muitos: consumidores e trabalhadores.
Apos décadas de fracassos econômicos, nada mais natural que a maioria se satisfaça com bons resultados em termos de emprego, renda e controle da inflação. Assim, os melhores valores ligados à democracia não estarão sendo prioritários, mas isso não quer dizer que a sociedade – como um todo – aceite soluções autoritárias.
Portanto, nossa democracia continuará sendo –por muitos anos – um simulacro, uma fantasia, do que deve ser uma verdadeira democracia.
Até o dia em que a sociedade, por conta de uma melhor educação e uma maior consciência política, cobre outros aperfeiçoamentos.