29/12/2016
Blog do Noblat
Não é fácil nos colocarmos no lugar do outro e imaginarmos sua vida, seus problemas, seu sofrimento. Muitos não prestam atenção às dores alheias. Não se interessam em saber o que se passa com quem está ao lado. Pior: nem sequer lhes ocorre perguntar como vai, de verdade, o próximo.
Outros têm uma curiosidade excessiva sobre o vizinho, mas não se põem em seu lugar nem se compadecem com seu sofrimento. Limitam-se a se alimentar da cadeia de más notícias a respeito da humanidade que a mídia despeja diante de nós dia após dia.
É claro que existe certo inconveniente em lidar com essas situações. Se somos sensíveis demais, a dor alheia dói duplamente. Por solidariedade e por medo. Solidariedade com o sofrimento de nosso semelhante e medo de que a sua desgraça possa acontecer conosco.
Muito da empatia que sentimos a cada dia decorre dessa mistura de solidariedade e medo, mas isso é pouco para sustentar uma civilização. De modo geral, nos faltam noções básicas de empatia. Por isso existem tantos conflitos exacerbados por princípios egoístas.
“Uma das operações psíquicas mais sofisticadas que aprendemos, lá pelos sete anos, é esta, de tentarmos sair de nós mesmos para imaginar como se sentem as outras pessoas”, ensinou o psicoterapeuta Flávio Gikovate, um dos maiores estudiosos do assunto e que nos deixou recentemente.
O exercício autoritário de nosso egoísmo nos faz desprezar o que o outro é, o que ele pensa e o que deseja. E como o mundo gira (e a Lusitana roda), algumas vezes nós é que nos tornamos carentes da empatia alheia.
Certa vez, carregado de compras de supermercado e sem dinheiro para tomar ônibus, pedi que pagassem a passagem para mim. Ninguém pagou. Andei a pé alguns (muitos) quilômetros. Me vi na situação de milhares que pedem ajuda e recebem negativas. É muito ruim.
Outras vezes, chorei quando tratava de um problema de alguém que tinha, por exemplo, uma filha com doença degenerativa. Eu me imaginava no lugar daquele pai que havia me pedido para cuidar da busca de apoio profissional para amenizar o sofrimento da criança. Ou seja, sei do que falo, já vivi na prática a expressão “ponha-se no meu lugar”.
Como não queremos sofrer, nossa carga nos basta. É por isso que muitos não querem saber nem sentir o que o outro sente. Preferem um distanciamento na linha do “quem pariu Mateus que o embale”. Ou “cada um no seu quadrado”. Não é assim que se constrói um mundo melhor.
Empatia é quase uma ciência, coisa para ser ensinada na escola. Deveríamos ter uma capacidade aguçada de nos colocarmos no lugar de alguém. E, a partir daí, aprimorar os sentimentos em relação aos demais seres humanos e ao mundo. Até para que desenvolvamos também uma espécie de empatia reversa.
Como seria bom se pudéssemos nos colocar no lugar do outro quando nos olhamos no espelho. E ali pudéssemos fazer um exercício de autocrítica, tema esquecido em tempos de egotrips.
Na Dinamarca, por exemplo, a empatia está no currículo dos estudantes entre os seis e os 16 anos. Durante uma hora por semana, todos os alunos nessa faixa etária têm uma aula sobre como podemos e devemos nos colocar no lugar dos outros para entender melhor o mundo, seus dilemas e conflitos.
Na verdade, a iniciativa dinamarquesa começa na pré-escola, quando as crianças são estimuladas à empatia e ao mútuo entendimento. Um programa, conhecido como Passo-a-Passo, mostra a elas a relação entre as emoções e as pessoas da família, os amigos, os colegas e os estranhos.
Outra iniciativa relevante do sistema educacional dinamarquês é a mistura de alunos com diferentes potencialidades visando estimulá-los a trabalhar em conjunto.
Numa época de egoísmo exacerbado, o exemplo que vem da Dinamarca é um raio de luz, uma esperança. No instante em que o Congresso debate a reforma do ensino no Brasil, poderíamos aproveitar para tornar a empatia uma matéria obrigatória.