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No passado não havia política, só pauta-bomba

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Michel Temer ainda não completou um mês administrando a pior herança que um governante deparou nos últimos 50 anos. Havia balbúrdia generalizada nas contas públicas, uma economia destroçada pela recessão e a perspectiva de chegar ao final do ano com 14 milhões de desempregados, um recorde que apontava para o caos.
Em três semanas já é possível identificar uma base parlamentar disposta a votar a agenda necessária parar tirar o país da crise, a solução do desastre fiscal foi encaminhada e a volta da confiança dos parceiros privados no rumo a ser percorrido é perceptível. O barulho de quem se recusa a acertar o passo deslocou-se do setor produtivo para nichos de inconformismo com perdas de privilégios ou para o terreno dos que permanecem aferrados à fantasia.
Na quarta-feira as críticas atacaram o aumento de salários concedido a servidores públicos de quadros do Judiciário, carreiras do Executivo e que prestam serviço no Legislativo e no Ministério Público com impacto estimado no valor de R$ 58 bilhões em quatro anos. Ninguém afirma que os reajustes foram imerecidos, e sim que o sinal político foi ruim diante da perspectiva de um déficit fiscal de R$ 170 bilhões.

Como dizia o economista Milton Friedman, “não existe almoço grátis”, argumento que socorre Michel Temer em dois aspectos: havia a dívida, era preciso pagar; se se quer um mínimo arranjo político para seguir em frente, há um custo a cobrir. O presidente não escondeu a saia justa, pois não é razoável comemorar uma conta desse tamanho. Mas pôs as coisas em seus lugares.
“Foi algo ajustado no governo anterior (com os setores beneficiados). Ansiavam todos eles pela aprovação dessas matérias. Pacifica a relação do governo com várias categorias de servidores. É um aumento discreto, quase não cobre a inflação. Leva em consideração o cálculo político e o cálculo econômico”, afirmou.
Em nota oficial, o Ministério do Planejamento esclareceu que os projetos foram resultado de negociações com oito meses de duração, terminaram na assinatura de 32 termos de acordo com as lideranças sindicais e que, para todos eles, já haviam sido assegurados recursos necessários na Lei Orçamentária Anual de 2016. Não faz muito tempo, a mídia monitorava as reuniões dos técnicos do governo Dilma com os interessados, sempre concluídas com desacordos cíclicos, tática do PT para fugir da decisão e rolar a bola em quanto tempo passava.
Presidente interino, Temer não tinha condições de continuar dando voltas e resolveu enfrentar o problema. Estava premido por um cenário político montado pela oposição em forma de armadilha, quando seus líderes tocaram o terror alardeando supostas ameaças de cortes a serem sofridos nos programas sociais, como o popularíssimo Bolsa Família. Temer desarmou a bomba desmentindo a contrainformação em tom determinante.
Veio, então, a tática de jogar os funcionários, de quem toda administração depende para que a rotina da Executivo funcione, contra o governo de três semanas. Bastava imitar Dilma Rousseff e desmontar uma vez mais o pacote de reajustes, coisa que um político com um mínimo de responsabilidade rejeitaria, para comprar outra briga e atrair o bordão “Temer está muito frágil, coitadinho, não sabe governar”. Quanta ingenuidade.
A diferença é que, apesar da conta alta, hoje a agenda legislativa anda, abrindo caminho para a virada na política e na economia – a meta fiscal expandida foi aprovada, eliminando uma fonte permanente de conflito com o Congresso; e a DRU (Desvinculação de Receitas da União) passou em votação em primeiro turno, ambas com apoio confortável, sem margem para especulações, sem manchetes sobre batidas de cabeça. No passado não havia política, só pauta-bomba.