O esquema do mensalão, que não foi inventado por Marcos Valério nem atingiu apenas o PT e seus aliados de então, é uma prática lamentável que se consolidou no processo de redemocratização do país nos anos 80. Prefeitos, para terem e manterem maioria nas Câmaras de Vereadores, não apenas distribuíam cargos e verbas para obras, como mesadas, para que os vereadores ficassem estimulados a votar com o prefeito.
Os recursos para tais mesadas vinham de fornecedores que se beneficiam de vendas superfaturadas. A fórmula foi estendida a outras circunstâncias e foi objeto de investigações policiais e processos judiciais a partir dos anos 90. Na esfera estadual e federal, o mensalão do PT seria filho do mensalão do PSDB mineiro e pai do mensalão do DEM de Brasília.
Em seu comentário no G1 sobre o julgamento do mensalão do PT, Tania Rangel saúda o entendimento do relator Joaquim Barbosa e do revisor Ricardo Lewandowski sobre o alcance do crime de corrupção passiva. Relator e revisor da famosa Ação Penal 470 concordaram que as provas exigidas para a comprovação do crime estão na solicitação ou no recebimento de vantagem indevida. Ainda que, após o recebimento da vantagem, não fique provada a prática de ato de ofício em favor do corruptor.
Enfim, na prática, a condenação exige apenas a expectativa de que o ato pode ser praticado desde que tenha sido provado o pedido da vantagem ou o recebimento da mesma. Com o entendimento, passa a ser considerado corrupção passiva qualquer tipo de recebimento que possa ser caracterizado como indevido. Doações eleitorais, por exemplo, poderão ser tidas como atos de corrupção, caso não sejam declaradas.
Por isso Tania Rangel entende que o voto sobre corrupção passiva pode ser o que ela chama de início verdadeiro da reforma política. Para ela, essa decisão demandará maior transparência nas contas partidárias. Quem receber doações indevidas pode ser condenado e, até mesmo, perder o mandato. Tudo indica que a medida vai valer mesmo. Assim, ao julgar aspectos atinentes ao mensalão, o STF atua em um campo essencial do relacionamento entre os Poderes constituídos e a política e, também, com os trabalhadores e empresários. O entendimento terá repercussões sérias no julgamento de outros mensalões.
Por exemplo, além das doações ilegais, o apoio de maquinas públicas e/ou sindicais em campanhas políticas pode ser considerado atos de corrupção? O uso de um carro de som pago por um sindicato vai ser considerado dinheiro indevido, já que representa uma expressão de valor pago por alguém para um político? A entrega de dinheiro, como verificado no escândalo do governo Arruda, em Brasília, ficará definitivamente marcada pela decisão do STF: houve prática de corrupção ativa mesmo que não se prove a existência de votos ou atos em favor do governo?
A decisão do STF sobre o comprovação do crime de corrupção passiva é um avanço e vai exigir que a própria Justiça estenda rapidamente o alcance do seu entendimento para questões específicas do âmbito eleitoral. Mais uma vez, no vácuo do Poder Legislativo, a Justiça adensa o regramento que afeta as disputas eleitorais no país. Talvez ainda não seja o início da reforma política, como afirmou Tania Rangel. Mas, sem dúvida, terá reflexos práticos no exercício da política.