A eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara, a crise do mensalão e suas repercussões e o episódio da máfia dos sanguessugas revelam que o Congresso atingiu seu ponto mais baixo na história republicana. É talvez o pior Congresso da história recente do Brasil. A desmoralização do Poder Legislativo não é recente e resulta de uma conjugação de fatores. São vários vetores que devem ser considerados. O pior e mais grave está no comportamento da sociedade em relação à política. Os melhores quadros da sociedade procuraram outras atividades. Os bem educados preferem que seus filhos sejam economistas, artistas ou jogadores de futebol. Desprezam a política e fazem escárnio da política. A política termina sendo tratada pelo outro. E o outro quase sempre não é o melhor para tratar da coisa pública e do interesse comum.
O ponto é que os setores mais informados e esclarecidos preferem tratar a política com uma distância higiênica. Interagindo com o mundo político de forma pontual ou quando muito sensibilizados mela mídia. Episódios como “as diretas já”, impeachment de Collor e eleição de Lula foram catarses que deram a sensação de cidadania e participação política. A baixa qualidade da participação da sociedade é agravada pelas desigualdades econômicas e sociais, que alijam os setores mais pobres da política. Servem como massa de manobra. Cooptados por discursos salvacionistas, fundamentalistas ou demagógicos. Tudo regado a fortes doses de assistencialismo. O voto trocado por cesta básica ou por um cartão de benefícios.
A conseqüência direta do desinteresse da sociedade com a política é a baixa qualidade das lideranças partidárias no Congresso. O debate parlamentar empobreceu. Não há inteligência no Congresso para se opor, por exemplo, à supremacia institucional do Executivo. A qualidade dos parlamentares que são especializados em temas relevantes decaiu significativamente. Até mesmo a qualidade política dos recentes presidentes da Câmara é péssima. Para não dizer mais. Com raras exceções, os líderes são fracos e não lideram suas bancadas. Acompanhando o Congresso há mais de vinte anos, realizei diversas pesquisas sobre a elite parlamentar. É ela quem comanda o processo legislativo. Realizar tais investigações atualmente é muito difícil. Quase não há lideres temáticos. Especialistas em temas relevantes. Sobram generalistas que se movem pela barganha.
Há quem duvide de tal constatação alegando que indicadores de participação de mulheres e negros melhoraram e que o Congresso de hoje não e um “Congresso” de oligarcas. Ledo engano. O Congresso de hoje é uma perversa mistura de ricos, radialistas, líderes corporativos, religiosos, “chefetes” e caciques políticos que controlam blocos de votos. Os caciques movem-se pelo poder regional. Independente de cor ou gênero. Os interesses específicos e seus representantes movem-se com base na sua agenda: recursos públicos e benesses para atender seu eleitorado. Outros se movem para ganhar dinheiro. Não são poucos os que enriquecem na política. A imensa maioria joga pelo interesse específico e não está nem aí para o bem comum. Não é um Congresso de oligarcas. Mas é quase tão ruim como se fosse.
O Congresso Nacional torna-se, no atual modelo, um risco à democracia. Gera apatia, desinteresse e baixíssima participação. Isso talvez explique a aparente indiferença com que a opinião pública tem tratado o escândalo das ambulâncias. O Congresso é tão mal avaliado, que um escândalo desse tamanho não causa indignação porque o povo acha que “aquilo ali” é uma bagunça mesmo. É crescente o desapreço da população pela instituição parlamentar. Diligentemente, o atual Congresso trabalha para aumentá-lo. Tal situação é muito perigosa para a estabilidade política do país e favorece o populismo demagógico e autoritário. Tão em voga em algumas repúblicas vizinhas.