A crise deflagrada pelo PT com a operação de compra de um dossiê contra José Serra terá um impacto duradouro na política nacional. Em um primeiro momento, o efeito imediato é o de reforçar a possibilidade de ocorrência do segundo turno na disputa presidencial. Sem nenhuma dúvida, a divulgação dos episódios relacionados à crise está afetando os índices de aprovação do governo e devem reforçar a tendência de queda na diferença de Lula para todos os outros candidatos. Antes da crise a diferença era de 9 pontos. O Ibope já traz a diferença em 3 pontos. O efeito do escândalo junto ao eleitorado mais esclarecido e não engajado é devastador. Aos engajados, a operação do dossiê é mais uma daquelas do tipo que os fins justificam os meios na mesma linha de celebridades como Paulo Betti, José de Abreu e Wagner Tisso. O segundo impacto é o de dificultar, por um tempo razoável, o entendimento ente governo e oposição com vistas às agendas de curto-prazo pendentes no Congresso: Lei de Diretrizes Orçamentárias, Orçamento, medidas provisórias e iniciativas relacionadas à reforma política. A crise dá maior gás à CPMI dos Sanguessugas e realimenta o clima de conflito instalado dentro do Congresso. Além disso, poderá resultar na criação de uma nova CPI no Senado. O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) disse que após as eleições apresentará requerimento para constituição de uma CPI para investigar o pagamento pelo Ministério do Trabalho de cerca de R$ 18 milhões a uma ONG ligada a ex-assessor do presidente Lula envolvido com o escândalo do dossiê. O terceiro tempo da crise relaciona-se ao futuro presidente. Sendo Lula reeleito, sua dependência do PMDB e partidos do universo PL-PTB-PP aumenta. A condição de diálogo com a oposição com vistas ao debate de temas como a DRU, CPMF, previdência complementar dos servidores públicos, reforma sindical, itens obrigatórios da agenda legislativa de 2007, dentre outros, também fica prejudicada. O episódio pode comprometer a capacidade de Lula em atrair nomes de qualidade para o ministério. A convivência com figuras do nível daquelas que fizeram trapalhadas como o caso Valdomiro Diniz, mensalão, a quebra do sigilo do caseiro e, agora, o dossiê Cuiabá é, no mínimo, incomoda. Ainda com relação a Lula, sua reeleição não deve encerrar as investigações do Tribunal Superior Eleitoral sobre o episódio, ainda que seja quase impossível que alguma decisão drástica seja tomada. Porém, o grau de tensão entre os poderes Executivo e Judiciário pode aumentar. O episódio do grampo telefônico dos ministros do TSE deixou seqüelas. Ministros do Supremo Tribunal Federal suspeitam que elementos do governo tenham participado da operação. Ainda que improvável de ocorrer, novos pedidos de impeachment podem ser iniciados. A OAB, a partir da nova crise, poderá ter outra atitude. Sob o impacto do escândalo do dossiê Vedoin, o presidente da OAB, Roberto Busato, disse que depois das eleições de outubro, a entidade pode voltar a analisar um pedido de impeachment contra o presidente Lula. Na hipótese de derrota de Lula e vitória de Alckmin, a situação não deverá ser menos tranqüila. O desalojamento do PT do governo pode ser tumultuado. Em especial, dos setores que produziram pérolas como o mensalão, quebra de sigilos e compra de dossiês. A transição pode ser pontuada por ataques e agressões, além da destruição de dados e informações e movimentação anormal de recursos orçamentários. Setores corporativistas do funcionalismo também podem reagir. O MST ficará inconformado de perder espaço no poder e deixar de mandar no INCRA. Não será fácil. Outro tópico estará na atitude das entidades que ganharam espaços no governo. CUT, MST e UNE, entre muitas outras, têm acesso privilegiado a recursos públicos. Não vão aceitar a perda de espaço. Enfim, seja quem for o futuro presidente, a governabilidade e o relacionamento político do governo com o Congresso podem ser difíceis. Tanto Lula quanto Alckmin serão testados intensamente. Curiosamente, no momento em que o Brasil supera questões sérias de gestão econômica, podemos pagar um preço alto pelo atraso de nossa política, pela ausência de reflexividade de nossa intelectualidade e pela omissão dos setores mais esclarecidos de nossa sociedade.
Murillo de Aragão