Não vale a pena especular sobre as razões da vitória de Lula. Seu favoritismo nunca foi seriamente ameaçado. Nem mesmo as trapalhadas do seu partido, como o episódio recente de compra de dossiês para prejudicar a oposição, foram suficientes para impedir a sua vitória. Caso não houvesse escândalos, Lula teria vencido já no primeiro turno com mais de 60% dos votos.
Vencida a eleição, Lula tem muitos desafios a serem superados até a posse. Vamos fazer uma breve análise sobre os mais importantes. O primeiro deles é o de construir uma base política estável visando maioria na Câmara (possível) e no Senado (estreita). A maioria no Congresso é, em qualquer circunstância, importante. No entanto, para Lula, é crítico. Especialmente pelo volume de denúncias e investigações em curso e que podem afetar o seu mandato.
Lula terá que gerenciar os efeitos colaterais dos escândalos remanescentes do seu primeiro mandato. Existem investigações sobre gastos do governo com material partidário, denúncia do Procurador Geral da República sobre a compra de apoio político no Congresso e, finalmente, sobre o último escândalo do dossiê. Sem fato novo, nenhum deles pode causar a impugnação do diploma ou do mandato de Lula. Mas deverá dar algum trabalho para serem administrados adequadamente.
O passo seguinte é o de manter a credibilidade da política econômica. Apesar da tranqüilidade do mercado financeiro, existe algum desconforto com algumas declarações. Uma delas, do ministro das Relações Institucionais Tarso Genro, condena a atual política como conservadora e monetarista. Pensamento semelhante tem demonstrado o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Para almejar crescimento econômico não basta reduzir a taxa de juros e prometer crédito. Tem que existir consistência na estratégia econômica e algum comprometimento com as reformas. A necessidade de novas reformas, aliás, foram defendidas na semana passada por Henrique Meirelles, presidente do Banco Central.
Voltando ao campo político, Lula terá que administrar os aliados mais radicais, como o MST, que ficaram quietos e sem causar problemas políticos para o presidente na campanha. Vão cobrar a fatura de maior participação no governo e mais acesso a benefícios.
Dois desafios remanescem na lista de Lula: compor um ministério conciliando os interesses de seu partido, dos aliados, como o PMDB, que quer uma fatia grande de cargos, do mercado financeiro , que quer uma equipe econômica consistente e do empresariado, que quer menor carga tributária. Não será fácil. Até mesmo porque alguns dos bons nomes de sua atual equipe como Marcio Thomaz Bastos (Justiça) e Luiz Furlan (Desenvolvimento) não devem permanecer.
Por fim, abrir entendimentos com a oposição. Sem os votos da oposição, dificilmente reformas constitucionais serão aprovadas, especialmente no Senado onde há um equilíbrio maior entre governo e oposição. Afinal, há espaço ou não para um entendimento entre governo e oposição após todas as agressões e escândalos da campanha? O entendimento possível deveria ter como base a recuperação de uma agenda no Congresso (tópicos da reforma política, recuperação da imagem do Congresso, Super Simples, etc.). Mesmo existindo o interesse nacional, o entendimento não será fácil.
No momento inicial, a oposição ainda tem munição para atacar o governo. Vai ser usada para tentar enfraquecer o governo e dificultar a composição das maiorias governistas no Congresso. Líderes importantes do PSDB, como Fernando Henrique Cardoso e o presidente da legenda, senador Tasso Jereissati (CE), deram sinais claros de que não há muito espaço para entendimentos com o PT logo após as eleições.
Sob a ótica de Lula, o discurso a favor de um entendimento é muito conveniente por dois fatores principais. Em primeiro lugar para tentar inibir uma postura mais agressiva da oposição após a eleição. Segundo, para sinalizar para a sociedade em geral e para o eleitor em especial que o governo está disposto a estabelecer um diálogo de alto nível com a oposição.