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Corrupção, governo e sociedade

Murillo de Aragão


O resultado das eleições mostra, de forma, clara, que a corrupção não é um problema. Muitos mensaleiros e sanguessugas voltaram faceiros para o Congresso. Nem mesmo a derrota das oligarquias pode ser interpretada como uma espécie de limpeza política. As oligarquias, como já expliquei, foram derrotas decorrentes de aspectos banais da política no Brasil: dissidência e traição. Voltando ao ponto inicial, o Brasil segue uma lógica imperturbável que estabelece uma hierarquia dos interesses no Brasil. Nossos interesses pessoais estão em primeiro lugar. Segundo, os interesses de nossos interesses (corporações, negócios, etc.). Os interesses do país, etc. aparecem em terceiro lugar, muito distante dos dois primeiros.  


A lógica imperturbável dos interesses não seria nociva se existisse uma espécie de auto-regulamentação entre os interesses. Seria o sistema de compensação que permitiria a arbitragem dos interesses pelo entrechoque dos mesmos. É o que explica o pluralismo, uma teoria política contemporânea cujo expoente é Robert Dahl. De uma forma idealizada, o bem comum seria produto do choque de interesses e os poderes públicos seriam os árbitros dos conflitos. Lamentavelmente, não funciona assim. Até mesmo a teoria evoluiu para uma nova explicação: o neopluralismo. Lá, tanto o governo quanto as empresas são agentes de interesses e atuam intensamente no mercado político.


Estaria tudo bem se a sociedade fosse realmente organizada de forma mais equilibrada. Funcionaria ainda melhor se, além de uma sociedade mais organizada e atuante, houvesse uma pauta mínima de aperfeiçoamento do país e não mera reclamação (câmbio, juros, segurança, etc.). Funcionaria extraordinariamente bem se, além do equilíbrio na representação de interesses e agenda nacional, houvesse lideranças de qualidade e o Estado conseguisse separar os seus vários papéis: regulador, empreendedor, legislador e julgador.  


No Brasil, a sociedade não é organizada adequadamente. O modelo corporativista dos anos 30 (Era Vargas) e associativista (Anos 70) permitiu a organização dos interesses em um nível aparentemente adequado. Primeiro nos sindicatos de patrões e trabalhadores e organizações de profissionais liberais. Depois, em reação à tutela estatal, em associações que, nos anos 80, passaram a ser chamadas de ONGs.  As duas ondas de organização de interesse colocaram o Brasil em um patamar mais desenvolvido em relação a outros países do mesmo nível econômico.


No entanto, as ondas de organização de interesses em entidades, não foram suficientes para conter a supremacia do estado. Cada vez mais forte e centralizador. Quem mais perde é quem não está organizado, como a classe média, cujos interesses não têm patrocínio. O fato é que, a organização dos interesses de forma desequilibrada e interesseira, somente ajudou o Estado a ser mais poderoso e a promover uma aliança de interesses políticos e corporativistas em detrimento do bem comum. O modelo não promove desenvolvimento econômico com justiça social. Promove clientelismo em larga escala. Seja no programa Bolsa-Família seja na TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo, decidida pelo Conselho Monetário Nacional) e tudo mais que estiver entre um e outro desses benefícios.


Daí a corrupção no Brasil ser um ente poderoso e socialmente conveniente. Funciona como elemento moderdor das relações entre o público e o privado. Minimiza os custos e assegura acesso privilegiado a recursos distribuídos pelo poder públicos: concessões, autorizações, licenças, empréstimos, subsídios, isenções e toda a sorte de expressão do poder discricionário do Estado. A corrupção é uma reação, um efeito colateral da forma em que governo e sociedade se relacionam.



A organização Transparência Internacional colocou o Brasil em 70º lugar no ranking mundial da corrupção de 2006. O índice reflete a opinião de especialistas sobre o país e não sobre o governo. No entanto, episódios emblemáticos da esfera pública como Mensalão, Sanguessugas, entre outros colaboraram para que a avaliação do Brasil piorasse.  Ao largo dos episódios mencionados, a percepção que o país causa nos especialistas é a prova de que a corrupção está entranhada na vida nacional de várias formas. Infelizmente, longe de ser captada em detalhes por um ranking que pode misturar coisas diferentes e coloca Cuba, por exemplo, como menos corrupta que o Brasil. Talvez, falte rigor metodológico à pesquisa e maior apreço a análise comparada em temas políticos. Não importa. O que prevalece é a impressão.



O mais dramático não é a nossa posição no ranking. Mas, sim, ver que não existe uma ação socialmente relevante visando conter a corrupção.  A sociedade está empareda pelo poder supremo do Estado.  A capacidade de reflexão de nossa elite intelectual continua embotada, contaminada por romantismo ideológico. A desmobilização dos melhores quadros da sociedade em relação à política é evidente. Lula, por exemplo, encontra dificuldades em atrair grandes nomes para o governo. Para piorar, vivemos a prevalência do interesse específico sobre o interesse geral. Não são bons sinais.  Assim, não há porque acreditar que a corrupção deixará de imperar no Brasil. Pelo menos, por um bom tempo.  O seu combate, tal qual a oposição à ineficiência estatal, à gigantesca carga tributária e a crescente deterioração da infra-estrutura pública, não são prioritários.