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O discurso de Lula

Como quase tudo na vida, os fatos têm aspectos bons e ruins. O discurso de Lula é um bom exemplo. Para não ficar pesado, vamos mesclar o bom e o ruim do discurso de Lula. O ponto inicial é ruim. Lula fez um discurso palanqueiro, de candidato, tentando ressaltar seu lado carismático e messiânico. Foi um discurso de campanha e a dita cuja já acabou. Lula tem que descer do palanque e começar a governar.



Buscando um ponto positivo vejo que Lula se comprometeu de forma inequívoca com o crescimento. Acelerar, crescer e incluir. É um belo trinômio, pois compreende o desenvolvimento econômico e social. Criou até uma marca para sintetizar e orientar suas intenções: o PAC Programa de Crescimento Acelerado.



No entanto, o PAC é um balão de ensaio, um factóide. Não existe nada do que fragmentos de intenções. A mais de sessenta dias o governo se debate para fazer o tal do PAC e não consegue. O governo Lula não consegue, em geral,  colocar em ação as suas idéias de forma consistente. Falta, ainda, a receita do crescimento. O que aparece são palavras de ordem  destravar o país, acabar com as amarras, etc. Não temos ainda um conjunto organizado de ações governamentais. Se quer temos um ministério.  



Voltando ao aspecto positivo, Lula aponta para os investimentos em infra-estrutura. Sem dúvida, o país tem que investir em portos, aeroportos, rodovias, ferrovias e usinas para crescer. No entanto, o que aparece apenas é a intenção do governo gastar mais e oferecer mais crédito. Ponto um: o investimento público é necessário. Ponto dois: o investimento privado deve ser o eixo central a partir da oferta de marcos regulatórios adequados, segurança jurídica e crédito de longo-prazo.  Assim, Lula aponta na direção certa, mas deixa dúvidas sobre as formas mais adequadas de atingir seus objetivos.



Outro aspecto positivo é a sinalização de que buscará a introdução do IVA Imposto de valor Agregado em substituição do ICMS. Resta saber se é para valer e se Lula combinou com os russos, como diria Garrincha. Os russos, no caso, são os governadores e a formidável máquina arrecadadora estadual de fiscais. Além da dúvida quanto ao alcance da intenção, devemos lamentar que Lula não se engaje em um batalha mais profunda em torno da reforma tributária. Falta um compromisso sério do governo coma redução da carga tributária e com o corte de despesas.



Lamentavelmente, o governo aponta em outra direção. De acordo com a economista Márcia Rodrigues Moura de Brasília,  em 2007, os gastos correntes da União deverão equivaler a 18,98% do Produto Interno Bruto (PIB). A proporção em 2006 está estimada em 18,54%. No começo do governo petista, em 2003, aquelas despesas corresponderam a 16,43% da produção interna de bens e serviços.  Ou seja, Lula só fez aumentar os gastos públicos e a carga tributária. Não é por aí.




Mesmo gastando mais, Lula renovou a profissão de fé com a responsabilidade fiscal. É um bom sinal.  Para tal, deverá manter o superávit primário elevado destinado a pagar a imensa dívida interna. No entanto, volto a repetir. Para destravar as amarras do crescimento econômico, Lula teria que reduzir a carga tributária e o gasto público de foram consistente nos próximos anos.



Em seqüência,  três aspectos que não gostei. Um foi o desnecessário ataques as elites. Lula não precisava dividir o que não está dividido. Apesar de interesseira, egoísta e corporativa, as elites do Brasil na sua maioria não são contra a inclusão social. Pelo contrário, a burguesia e os bacanas lucram com a melhor distribuição de renda e o aumento do poder aquisitivo das classes populares. Por outro lado, o governo Lula é tão elitista como os governos FHC, Itamar, Collor e Sarney. Lula está amparado nas elites financeira que todos os dias sancionam o seu governo com a derrubada do índice do Risco Brasil, sindical entregando à CUT o comando do ministério do Trabalho, do acesso privilegiado ao FAT e da implantação das arcaicas regras trabalhistas brasileiras por meio das DRTs em todo o pais. Lula, ainda, coopta as entidades empresarias que quase sempre lhe adulam e poucos lhe cobram de efetivo.   



As alfinetadas na oposição também foram desnecessárias. Lula deveria ter aproveitado o momento para chamar a oposição para um diálogo construtivo em torno de programas, propostas e reformas. A começar pelos ex-presidentes FHC, Itamar Franco e José Sarney e, depois, com os presidentes de todos os principais partidos de oposição. Seria um grande gesto. Ainda dá tempo. Para consolar, ouvi de Arlindo Chinaglia o desejo de conversar com a oposição.


Finalmente, o baixíssimo comprometimento com as reformas. O governo Lula não quer enfrentar o monstro das reformas. Não tem coragem cívica de mostrar, por exemplo, de que a legislação trabalhista é um fracasso. Pois deixa fora de qualquer cobertura mais de 50% dos trabalhadores. Não atacou a questão da reforma política. Nem a questão da previdência social que vai penalizar nossos filhos, netos e bisnetos.



Para finalizar com algo positivo gostei do seu empenho em tratar a questão da segurança pública. Vamos ver se o discurso vira ação concreta e atenda as expectativas da população.  Com  os votos que recebeu, com o mandado dos trabalhadores e das forças sindicais, com o apoio explícito do mercado e dos bancos, com um superávit de 46 bilhões de dólares na balança de 2006, Lula teria espaço para ser muito mais ousado. Tenho esperança que Lula recupere terreno na apresentação do PAC.