Os primeiros dias do ano chegam com esperanças de que a condição do continente melhore. E que seja, no mínimo, tão bom para a economia como foi 2006.
A grande maioria dos países acompanha os seus problemas com propostas coerentes para solucioná-los, mas grande parte dos projetos dificilmente poderá ser executada.
Ao norte, o México precisa resolver três problemas: investir na infra-estrutura, fazer uma reforma tributária e resolver alguns problemas de corrupção. A perspectiva de crescimento, ainda assim, é bem alta.
A Venezuela, o principal ator até o momento, mantém a postura chavista de projeção de poder pela América Latina. Hugo Chávez sabe o que faz e já se fechou internamente para garantir o apoio popular por um bom tempo. Usa abundantemente os petrodólares em ações populistas de larga escala.
A Colômbia iniciou o ano com uma grande pancada nos seus cidadãos. Os novos impostos e a alta dos preços caíram como uma tempestade na cabeça do povo. Será uma grande oportunidade para se avaliar até que ponto os colombianos entendem a política de Álvaro Uribe.
O Peru precisa concretizar o TLC para garantir as relações com os EUA e mostrar que é efetivo em sua política externa.
O Chile acordou com as promessas de Bachelet de que irá promover o desenvolvimento e combaterá a corrupção, no entanto, o Partido Comunista do Chile não se fez de rogado ao mostrar que a política adotada pela presidente é incoerente e cada vez mais se afasta da plataforma com a qual foi eleita e que pode significar um contínuo afastamento do povo.
O Paraguai começa a se preocupar com as eleições presidenciais e a o Uruguai continua a contenda com a Argentina, com o Mercosul e busca a unidade interna. Apesar dos pesares, a expectativa é de que o país tenha um bom desempenho econômico, principalmente com a assinatura do Tifa, que tem todos os elementos para se tornar um TLC com os EUA.
Há três países, no entanto, que precisam ser vistos de forma especial no momento, graças à peculiaridade de seus líderes e as políticas que estão adotando. Diríamos que são os focos de atenção, já que Hugo Chávez, embora nunca durma, resolveu reduzir a marcha para melhor posicionar seus peões no tabuleiro.
A Argentina vive um momento interessante. O presidente Kirchner mantém a sua postura de líder populista, mas com o objetivo estratégico de tornar-se um dos grandes líderes do peronismo. Adotou como tática o lançamento de sua esposa como candidata à presidência, mas os principais indicadores apontam que ele não abandonará a possibilidade de reeleição.
Sua postura sempre foi de apresentar-se como o grande condutor do povo nos momentos de crise. É nessas ocasiões que ele se mostra como o protagonista da política argentina. E eis que, quando tudo estava acalmando (nessas condições homens como ele são rebaixados à categoria dos indivíduos comuns) surge um seqüestro vindo dos mais profundos porões da ditadura militar.
Caiu-lhe de mãos beijadas! Até Menen, outro ego forte a concorrer no palco peronista, lançou dúvidas sobre o incidente, que foi resolvido em 48 horas, sem que a vítima apresentasse detalhes do que ocorreu.
O mais interessante é que a solução se deu após o presidente mobilizar toda a nação para mostrar que ninguém irá se opor a sua decisão de aplicar a política de direitos humanos contra a violência da ditadura.
Luis Gerez havia sido seqüestrado na semana passada. As denúncias eram de que grupos da extrema direita argentina queriam dar sumiço em uma testemunha chave aos processos que estão sendo movidos contra personagens do regime militar, no caso Luis Patti. Seria um incidente semelhante ao que ocorreu com Julio Lopez, que sumiu há cem dias e foi testemunha no caso Etchecolatz, outro caso de Direitos Humanos contra elementos do regime militar.
Caso resolvido! Kirchner recebe os agradecimentos de Gerez, pois se não fosse à decisão e determinação do presidente, provavelmente ainda estaria desaparecido. Kirchner precisa deste universo onde fatos e factóides convivem intimamente para estar na plenitude de suas faculdades políticas, estratégicas e intelectuais.
Assim iniciou o ano argentino e, muito provavelmente, continuará assim entre fatos e factóides – até que o presidente se decida se quer continuar na Casa Rosada, ou se será um filósofo do peronismo, como anunciou há alguns dias.
Se a Argentina começou seu ano com o desfecho positivo desta pequena novela, a Bolívia começou rugindo alto. O presidente Evo Morales anunciou que, doravante, americano só entra em seu país se tiver visto e for analisada a razão de sua ida ao país. Mais uma bravata de um presidente intelectualmente frágil e ideologicamente arcaico e pueril. Um autêntico bull shit!
Para completar as ações, o presidente boliviano anunciou que convocará Hugo Chávez para ambos pensarem a revisão do Mercosul. Mal chegaram, já querem mandar no pedaço. Lembra o Brasil que quer ter um assento no Conselho de Segurança da ONU.
No entanto, as articulações de Bolívia e Venezuela podem ser perigosas para nós. Pensemos… O Uruguai está descontente com os rumos do Mercosul. Porque não apoiaria uma movimento de refundação do acordo? Assim, já são três. Para ter a maioria, basta conseguir o apoio de Kirchner, algo que não é de todo improvável. Ainda que, em meio à crise das papeleiras, pode ser difícil.
O terceiro foco bem interessante no continente está no Equador. No dia 15 de janeiro o presidente eleito será empossado e terá consigo o apoio de 63% da população de seu país. As medidas até agora anunciadas por Rafael Correa são bastante ousadas.
Correa lembra o Evo Morales, mas com uma verve de erudição e cultura européia que seu companheiro boliviano não tem. O mais curioso, no entanto, está no fato de os cidadãos equatorianos não terem percebido que a possibilidade de ele realizar suas propostas é bem pequena.
Deseja apenas reformar o país inteiro, enfrentar os americanos, enfrentar os colombianos, enquadrar os peruanos e, de quebra, desenvolver o país e atrair investimentos, recusando o TLC e demais tratados que possam atrapalhar o bom andamento de seu projeto socialista. O povo, por incrível que possa parecer, está convicto de que conseguirá, por exemplo, atrair investimentos externos. Ou seja, mais uma política na autêntica linha do bull shit.
Pela configuração que as relações de força adquiriram é possível afirmar que 2007 poderá ser um ano muito bom para Hugo Chavez. Agora, ele terá dois aliados ousados ao seu lado. Somando-se a eles terá mais um na América Central, Daniel Ortega, além do presidente Kirchner a realizar as suas peripécias que, se ainda não lhes deram fôlego para projetar o esboço de uma Grande Argentina com projeção sobre Paraguai, Uruguai e Chile.
Enfim, o caso latino-americano continua evoluindo mal ainda que possam ter crescimento econômico. Possivelmente, nada espetacular. O certo é que, como região, continuará a ser um continente perdido onde o povo, principalmente ele, é feito de palhaço.