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A faca, o queijo e a comunicação

Murillo de Aragão


 


Depois de quase seis meses de eleito, o presidente Lula ainda não conseguiu estruturar seu novo governo. Quando escrevia este artigo, Lula ameaçava nomear alguns novos ministros na segunda semana de março. Apesar do recorde de imobilidade administrativa, é preciso reconhecer os obstáculos do sistema presidencialista na formação do Ministério e busca de base parlamentar, especialmente sob o modelo eleitoral vigente no Brasil:


 



  • Pulverização partidária. Vitória do candidato não significa conquista de maioria parlamentar;

 



  • Falta de consistência programática dos partidos. Eles se subdividem ou reagregam em tendências, blocos e frentes;

 



  • Centralização excessiva do poder no Executivo. Representação parlamentar relegada a um papel de coadjuvante.

 


Em virtude de circunstâncias políticas e econômicas altamente favoráveis, Lula experimenta uma condição excepcional, pode-se dizer jamais desfrutada nos 22 anos de redemocratização pelos quatro presidentes anteriores.


 


Lula venceu com 58,2 milhões de votos, esmagadora maioria de 60,83%. Na campanha, livrou-se da tutela do PT e dos dois facilitadores do primeiro mandato (Dirceu e Palocci), todos arrastados pela correnteza das denúncias de corrupção. Seus novos três líderes do governo no Congresso não são do PT. 


 


De quebra, aniquilou a oposição com prática e discurso populista e despreza um Congresso campeão da venda de apoio político. Lula combina com eficiência jamais vista o verbo e a verba. Tudo amparado por uma simpática vista grossa da sociedade aos pecados do primeiro mandato.


 


Lula ostenta também formidáveis indicadores econômicos:


 



  • Crescimento da renda real da população mais pobre
  • Inflação desprezível
  • As maiores reservas em moeda forte da história   
  • Insignificante risco país
  • Bom volume de entrada de capitais estrangeiros

 


E, ainda, dólar baixo, que significa aumento de renda da população assalariada e maior acesso ao turismo internacional por parte da classe média.


 


Com esse patrimônio eleitoral, Lula não precisa de Ministério nem mesmo de comunicar-se bem.  A rigor, não precisa sequer de governar, como de fato não governa desde a conquista do segundo mandato. Se as coisas boas que lhe dão popularidade funcionam no piloto automático Plano Real e programas assistenciais para que se preocupar muito?


 


Em um texto interessante, o prefeito e ex-blogueiro César Maia afirmou que a comunicação do governo Lula é um desastre. Sua crítica mais relevante é a de que a política (seria uma política?) posta em prática pelo Palácio do Planalto confunde a imagem do personagem com o papel da imagem para gerar memorabilidade do fato.


 


Ora, Lula não depende de uma política de comunicação no sentido defendido por Maia, que afirma ser inevitável a desconstrução de sua imagem.  Muito bem. Temos dois pontos essenciais na comunicação.


 


O primeiro deles é que a comunicação deve ser entendida em um sentido holístico. Englobando vários aspectos. Tanto do emissor da mensagem (Lula e o governo), quanto dos transmissores (veículos de comunicação) e receptores (a população).  Não há como entender o processo sem considerar as três dimensões mencionadas.


 


A emissão de mensagens de Lula não decorre de propaganda. Nem mesmo do noticiário do dia-a-dia do governo. E sim da percepção de seu desempenho. Do carisma do presidente. Da tolerância diante de erros e pisadas de bola. Diariamente o governo emite a mensagem da estabilidade econômica, da inflação baixa, do ganho real de renda, da expansão do poder de compra do salário mínimo, do sucesso dos programas assistenciais.       


 


A transmissão das mensagens ocorre em circunstâncias que também são favoráveis a Lula. A mídia impressa, que pode refletir com maior profundidade sobre os erros e acertos do governo, atinge poucos brasileiros. A mídia eletrônica tende a ser mais chapa-branca na rotina dos acontecimentos e diluir o noticiário em uma grande revista eletrônica. Lula não é cobrado pelo aumento da violência, pelo apagão aéreo e por muitas outras mazelas. Mistura-se aí tolerância, complacência e interesse.


 


Nesse ponto vale dizer que o governo Lula, em seu primeiro mandato, promoveu o maior gasto publicitário da história. Talvez, sob condições democráticas, nenhum país tenha investido tanto em publicidade como o Brasil de Lula. Os departamentos comerciais das empresas agradecem penhorados.


 


A recepção da mensagem se dá em um ambiente também muito favorável para o presidente. O nível de satisfação da população com a economia é muito alto. O mesmo se dá em relação à sua popularidade de Lula e aos níveis de aprovação do governo. Além de não ser cobrado pelos veículos de comunicação, a população não quer colar em Lula problemas que são atribuídos a questões estruturais do país.


 


Assim, a crítica de Maia cai no vazio. A imagem de Lula só será desconstruída caso o governo se envolva em um escândalo de proporções dantescas a ponto de fazer o mensalão parecer coisa de criança. Ou no caso de grave crise econômica que inviabilize o controle da inflação.


 


Aparentemente, uma grave crise econômica está descartada. No campo dos escândalos, a situação é um pouco diferente. Mesmo assim, Lula teria espaço para reverter a situação por conta do apoio que tem junto à mídia e a setores organizados da sociedade e pela folgada maioria que possui.