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Os erros dos bons momentos


Murillo de Aragão


 


Enquanto as reservas explodem e o risco Brasil despenca, uma pequena série de sinais inquietantes surge na conjuntura política e aponta na direção de crescimento econômico sem qualidade institucional. Os erros dos bons momentos podem custar caro adiante.


 


Na semana passada, em uma cerimônia chavista e com um discurso mambembe, o presidente Lula anunciou a quebra da patente de um medicamento contra a AIDS (Merck Sharp & Dohme). A solenidade foi marcada por palavras de ordem, como se o inventor do medicamento fosse um bandido que explora a miséria alheia.


 


Ora, para quem depende de remédios complexos para viver, a figura do inventor é essencial . Sem ele, milhões de seres humanos morreriam. O respeito à propriedade intelectual é base para que se invista e pesquise novas drogas para a cura de uma série de doenças ainda incuráveis.  Sei na pele o que é isso.


 


A decisão do governo revela vários vícios de comportamento. O primeiro é que o governo  não tem noção do que fez. A quebra de patentes, ainda que prevista em lei, é uma atitude extrema, que se pratica em situações de emergência. Não era o caso. Segundo: a incapacidade do governo de avaliar o timing da decisão. Na semana passada, o Brasil havia sido retirado da lista negra da pirataria de produtos. A decisão iria elevar a avaliação do país como porto seguro para investimentos de alta tecnologia. Com a medida contra o laboratório, o Brasil dá vários passos atrás e afasta os investidores que prezam a proteção à propriedade intelectual.


 


Terceiro ponto: à ausência de um conselheiro de bom senso está prejudicando o presidente. Quando Palocci era ministro, a mesma turma da Saúde quis quebrar patentes. Palocci ponderou com o presidente que tal rompante não seria adequado para a imagem do país. Lula recuou.  Desta feita, a equipe econômica não se manifestou. A Casa Civil teria sido contra, mas mesmo assim Lula foi em frente.  O precedente indica que em situações extremas, o governo pode decidir errado.


 


Além da gravíssima questão da quebra da patentes, o governo tem investido na direção errada.  A evidente perda de representatividade do Ministério do Desenvolvimento é preocupante. Considerado fraco com Luiz Fernando Furlan, que se dedicava às exportações e pouco à melhora do ambiente de negócios no país, com a presença de Miguel Jorge a situação piorou.


 


Miguel Jorge não ganhou o controle do BNDES, não se manifestou contra a quebra de patente da Merck Sharp & Dohme e está sendo by-passado por Luciano Coutinho e Guido Mantega na estória do Banco Del Sur, uma das extravagantes invencionices de Hugo Chávez. Outro sinal foi a escolha de Mangabeira Unger para a Secretaria de Assuntos de Longo Prazo. Unger é conhecido como um intelectual cheio de idéias estapafúrdias e de pouca ou nenhuma conseqüência.


 


Apesar do efeito ruim junto aos investidores, o governo não está nem aí. Para ele, a cota de pragmatismo econômico do governo já está preenchida. Com 120 bilhões de dólares de reservas e o Risco-Brasil em queda, a decisão de quebrar a patente e vulnerar a propriedade intelectual do Brasil tem pouca ou nenhuma importância para o governo. É apenas mais um detalhe negativo que somados a outros devem provocar uma reflexão. 


 


Por fim,  o mais sério dos sinais: a ausência de uma oposição consistente e que ofereça uma alternativa de melhor qualidade para o país. No momento são representa opção de qualidade superior ao modelo existente. Trabalham na mesma linha. Provavelmente, com variações discretas, seguiriam no mesmo rumo de Lula: meio intervencionista, meio nacionalista, meio demagógico, meio barro, meio tijolo.


 


Com um crescimento do PIB previsto de 4%, aumento do gasto público, reservas extraordinárias e risco em baixa, os sinais desconfortáveis têm pouca relevância para o cenário de curto prazo. Não há, além do tímido movimento contra a CPMF, nada que possa ameaçar os planos do governo além de sua própria incompetência e da nossa baixa capacidade de reflexividade.