De tempos em tempos, surgem soluções para os problemas das favelas. Nesse debate, entretanto, algumas coisas estão fora do lugar. E vão continuar assim por muito tempo. As favelas não são problemas. São soluções. Ruins. Mas soluções. Soldados da Guerra de Canudos, a espera de soldo e compensações, fizeram barracos no morro da Providência, perto do ministério do Exército. Negros libertos sem casa e sem recursos também se organizaram em aglomerados que deram origem a favelas. Todos os episódios representam, no final das contas, a falta de ação afirmativa do estado e a brutal omissão da sociedade. Ambos caminham juntas. As favelas surgem e crescem à espera de alguma solução do governo para sérios problemas de políticas públicas. A lista é enorme.
O fenômeno está ligado à ausência de uma política de desenvolvimento equilibrada e que pudesse ter impedido o fluxo desordenado de migrantes do Nordeste para o Sudeste. Na falta de comida, desde que o mundo é mundo, o homem vai atrás dela. Sem emprego no Nordeste, a solução é migrar. A história do Brasil esta cheia de exemplos: operários da construção civil em São Paulo, soldados da borracha na Amazônica, garimpeiros em Serra Pelada etc. Outra questão grave é a falta de interesse político para dar uma solução competente ao problema logo no início. Não houve nenhuma política séria de assentamento dos imigrantes no Rio e em São Paulo. Cada um foi chegando e buscando a sua própria solução: um barraco aqui, outro acolá. Isto posto, nunca houve repressão organizada e consistente à ocupação desordenada de áreas públicas e privadas.
As soluções dadas, como a construção da Vila Kennedy ou, em menor escala, a Cruzada São Sebastião, foram soluções episódicas e pontuais. O mesmo se dá em Brasília, onde Joaquim Roriz, para expandir seu poder político, legalizou uma séria de invasões que, menos mal, se transformaram em cidades-satélites. Roriz, mesmo sendo politicamente oportunista, organizou minimamente a zona. Em outros lugares, isso nunca aconteceu. A situação é grave em quase todas as capitais brasileiras. A chegada no Rio, pelo aeroporto internacional do Galeão, é uma prova cabal de nossa grotesca incompetência pública: de um lado, as favelas gigantescas, do outro o mangue fétido e poluído. A mensagem que damos é a seguinte: sinceramente, o pais não está interessado em resolver tais problemas. Agora, temos a questão dos muros. Logo, como era de se esperar, surge um discurso "politicamente correto" dizendo que os muros segregam e aprofundam o fosso social. Não é bem verdade, tampouco os muros são soluções consistentes.
A questão das favelas no Rio exige um tratamento profundo, que envolva pesquisas sobre os moradores e sua situação; redução da área a partir das construções realizadas nos últimos dez anos; transferência de moradores para outras áreas urbanizadas; urbanização e legalização das construções com base em um código específico e presença permanente das autoridades civis e militares. Favelas como a Rocinha devem ter administração pública permanente, com um administrador nomeado pelo governador e serem declaradas áreas de interesse público relevante. O presidente da República deve liderar o esforço promovendo uma espécie de PAC para as favelas. Enfim, o que se espera é uma ação afirmativa do governo e menos lengalenga. A omissão nos trouxe danos sociais e ambientais incalculáveis.