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Brasília, capital do Hemisfério Sul

Artigo publicado no Correio Braziliense desta segunda-feira escrito por Leonardo Barreto e eu. 
 
O Brasil vive uma nova fase na história de suas relações exteriores e caminha para consolidar posição de player global como não se havia imaginado. Não se trata de ufanismo barato, resultante da nova posição do país como sócio-credor do FMI, mas de conclusões tomadas a partir de razões econômicas e políticas objetivas. E de um processo iniciado no governo Collor, robustecido com FHC e aprofundado na gestão Lula. 
Em um ambiente de incerteza internacional, o Brasil consolida-se como a próxima fronteira da economia mundial. Empresas globais enxergam oportunidades de investimento no país não encontradas na ásia, Europa ou América do Norte. Por exemplo, a companhia espanhola Telefonica anunciou em reportagem recente da revista Exame que planeja aportar U$ 2,4 bilhões ao mercado brasileiro em 2009, cerca de 20% a mais do que no ano passado. Outras tantas prosseguem investindo, ainda que o clima nas matrizes não seja dos melhores. 
O principal vetor econômico da expansão brasileira é a incorporação de milhões de pessoas ao mercado. A Exame informa que a classe C1, portadora de uma renda mensal de R$ 1.400, deve aumentar seu nível de consumo em 5,8%. As classes C2 (R$ 950/mês) e a classe E (R$ 440/mês) devem comprar 18% e 33% a mais do que em 2008, respectivamente. Mais do que poder de compra, o consumidor brasileiro foi treinado — para o bem e para o mal — pela mídia eletrônica para o consumo. Lamentavelmente, compra guiado pelo seu poder de compra e não pelo valor justo da mercadoria. O fato é que a vocação para o consumo transforma o mercado interno em uma grande fonte de riqueza.
O segundo vetor é de natureza política. Há que se ter muito cuidado ao avaliar a questão. Porém, de modo geral, as credenciais políticas também contribuem para o reposicionamento do Brasil no mapa internacional. Recente artigo publicado no Wall Street Journal destaca que o país conta com uma vantagem estratégica que, por exemplo, a China não tem: somos uma democracia. Segundo Mr. Gilley, autor do artigo, a democracia nos confere estatura moral para discutir questões importantes, como o remodelamento da globalização, inclusão de países marginais nas arenas decisórias dos órgãos de fomento, questões ambientais, promoção das metas do milênio, eliminação das armas nucleares etc. Ainda que Mr. Gilley não tenha noção precisa de como opera a democracia brasileira, trata-se de opinião relevante. 
O dado inconteste é que a democracia é um importante horizonte normativo no mundo contemporâneo. Os países com restrições democráticas tendem a ficar marginalizados em alguns dos mais importantes fóruns globais. E, também, nas decisões de investimento. é o caso da Venezuela, Cuba, Irã, Coreia do Norte e, em alguma medida, China e Rússia. A revista The Economist, em nota recente avaliando o novo julgamento do dono da petrolífera Yukos, comentava que o rigor do investidor estrangeiro para aplicar na Rússia estava aumentando sobremaneira. Em tempos de vacas magras e aversão ao risco, ausência de Justiça eficiente, séria, e falta de transparência prejudicam a Rússia. Outro ponto negativo é a vocação autoritária do regime russo. 
Com todas as suas mazelas, o Brasil trabalha em um patamar superior. Nossa democracia está longe de ser perfeita. Mas alguns atores públicos atuam de forma decisiva para melhorá-la. Pena que os poderes públicos sejam tímidos em aprofundar as reformas política, eleitoral e legislativa que são mais do que necessárias. Entretanto, o ponto que queremos destacar é o fato de que a alavancagem do Brasil coloca Brasília no caminho de tornar-se a capital política mais importante do Hemisfério Sul. é um fato que, de certa forma, é corroborado pelo tamanho de nossa economia. Nenhum outro país do Hemisfério Sul tem a nossa dimensão. Tendo em vista o protagonismo diplomático e econômico do país, o fato de estarmos assentados em vocação democrática predominante, Brasília pode ser o referencial político do mundo. Não estamos longe de tal fato. Mesmo que, para tal, muito de nossos problemas políticos sejam varridos para debaixo do tapete. 
é importante destacar que tal fato vai intensificar uma onda cosmopolita que se instalou na cidade, de forma tímida, nos anos 1970. Cada vez mais, Brasília será um posto diplomático mais atraente e relevante e as decisões políticas e econômicas serão ainda mais estratégicas no universo dos negócios. Com isso, Brasília vai se transformar ainda mais. Deixando de ser a capital provinciana do seu início, dependente apenas de suas beleza arquitetônica, para ser um centro internacional de poder e decisão. é uma nova etapa que estamos vivendo às portas dos cinquenta anos da capital.
 
Murillo de Aragão
Mestre em ciência política e doutor em sociologia pela UnB e presidente da Arko Advice–Análise Política
Leonardo Barreto
Cientista político (UnB)